O globo, n. 31069, 30/08/2018. País, p. 6

 

Elogios pagos: MP eleitoral pede quebra de siglo

Mateus Coutinho

Bruno Góes

30/08/2018

 

 

Procurador quer dados fiscais de empresas que ofereciam dinheiro para usuários da internet divulgarem propaganda política. Também foram pedidas à Justiça informações sobre ‘influenciadores’ que receberam para enaltecer candidatos

O procurador regional eleitoral auxiliar Bruno Nominato, de Minas Gerais, pediu ontem a quebra do sigilo fiscal de seis empresas envolvidas no esquema de difusão de conteúdo remunerado em apoio a candidatos do PT e do PR. O procurador pediu que a Apple informe em 48 horas todos os usuários que baixaram os aplicativos O Brasil Feliz de Novo e Follow. Eles foram usado s para propagar conteúdos favoráveis a candidatos petistas — incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT, preso em Curitiba desde abril — e para difusão de notícias de candidatos do PT e do PR, conforme revelou O GLOBO ontem.

O Follow tem uma rede de “ativistas digitais” superior a 27 mil cadastrados, segundo informações divulgadas pela própria empresa. A ferramenta tem ainda 5.386 notícias publicadas, além de 27 “projetos concluídos”.

Além do pagamento para que usuários compartilhassem o conteúdo produzido pelos aplicativos, foi revelada no último fim de semana uma segunda maneira de pagar pela difusão de propaganda eleitoral nas redes, e que também não é permitida pela legislação. A agência de marketing digital Lajoy procurou pessoas com um grande número de seguidores no Twitter (os chamados influenciadores) para que eles publicassem informações e opiniões elogiosas a candidatos do PT, como o governador do Piauí, Wellington Dias.

NOTAS FISCAIS

Em relação a esta segunda forma de propaganda irregular, o procurador pede que o Twitter informe os dados cadastrais dos usuários @pppholanda, @delucca, @choracuica e @cadefeminista além de @joycelular e @AgenciaLajoy. Todo o conteúdo das quebras pedidas por ele também deverá ser compartilhado com as Procuradorias Regionais Eleitorais do Brasil, pois candidatos de outras regiões do país podem ter se beneficiado das postagens.

A agência de marketing digital Lajoy pertence à empresária Joyce Falete, e funciona na estrutura de pequenas empresas de tecnologia montada pelo deputado e candidato ao Senado por Minas Gerais, Miguel Corrêa (PT). Foi a Lajoy que entrou em contato com os influenciadores oferecendo dinheiro para a publicação de elogios a candidatos petistas.

O perfil @pppholanda pertence à jornalista e militante Paula Holanda, que foi a primeira a denunciar o caso, em uma série de comentários no Twitter em que afirmou ter recebido a oferta para fazer postagens positivas para a petista Gleisi Hoffmann, que tenta uma vaga na Câmara, ao candidato do PT ao governo de São Paulo, Luiz Marinho, e a Wellington Dias.

Para o procurador Nominato, a compra de influenciadores pode configurar infração eleitoral, uma vez que a legislação só prevê o impulsionamento remunerado de notícias a partirdes erviços oferecidos pelas próprias redes sociais, oque nãoé ocaso dosa plicativos criados pelo deputado.

“Assim, ante a necessidade de se apurar as notícias de possível violação da lei eleitoral por parte das pessoas jurídicas referidas, necessária tanto a quebra do sigilo de informações cadastrais das respectivas pessoas jurídicas, bem como dos respectivos usuários responsáveis pelas contas do Twitter”, escreve o procurador no pedido ao TRE-MG.

N alista de sigilo saque o MP eleitoral tenta obter acesso, estão a empresa de Joyce, as empresas Fórmula e Follow, de Miguel Corrêa, a Golz Tecnologia, a Be Connected e a 2x3 Inteligência Digital, de parceiros de Corrêa. O MP quer acesso a todas as notas fiscais eletrônicas fornecidas por estas empresas nos últimos 60 dias.

Após o caso vir à tona, o GLOBO revelou como funcionava a rede de produção e distribuição de conteúdo para ao menos 14 candidatos nas eleições deste ano por meio do pagamento de ativistas e influenciadores.

O GLOBO procurou os citados. William de Lucca (@delucca no Twitter) foi o único a responder. Ele disse que está “à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos”.

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Criador de aplicativos tem vida de celebridade em BH

Bela Megale

Mateus Coutinho

30/08/2018

 

 

Dono das empresas que pagavam influenciadores digitais para divulgarem conteúdo elogioso a candidatos petistas na internet, o deputado federal e candidato ao Senado Miguel Corrêa (PT-MG) usou sua proximidade com o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), para progredir no partido e divulgar seus trabalhos no meio político. Nascido em uma região pobre de Belo Horizonte chamada Venda Nova, Corrêa começou a fazer política aos 22 anos com a criação de uma organização não governamental (ONG) voltada para capacitação de jovens, batizada de “Mudança Já”, que alavancou sua carreira na vida pública e nos negócios de maneira meteórica.

Membro da juventude do PPS e militante estudantil, Corrêa foi presidente do diretório acadêmico da UniBH, onde se formou em História. Ele chamou a atenção dos caciques da política mineira ao se eleger vereador com uma estrutura de campanha restrita e angariar grande parte dos votos da região norte de Belo Horizonte, graças à atuação de sua ONG.

Lideranças do PT, como o deputado estadual Roberto Carvalho e o próprio Fernando Pimentel, na época prefeito de Belo Horizonte, viram no jovem e articulado político a possibilidade de trazerem a região de Venda Nova para o partido. Filiado ao PT, Corrêa não chegou a terminar o mandato de vereador e dois anos depois já disputou uma vaga na Câmara dos Deputados, elegendo-se em 2006.

Doze anos depois, muita coisa mudou na vida do deputado, que está em seu terceiro mandato. Ele ocupou por três anos a Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do governo Pimentel, em Minas, e mudou a sede de sua ONG da periferia para um dos endereços mais nobres de BH, onde também instalou sua empresa de tecnologia.

Em 2015, Corrêa se casou com a ex-BBB Letícia Santiago, com quem compartilha em redes sociais viagens, passeios de barcos, baladas e a vida em família. O casal também se tornou habitué dos restaurantes mais caros da cidade, como o Favorita.

—A gente ganha uma roupinha, viagem, mas o que a gente precisa é de dindim —disse Letícia em vídeo divulgado terça-feira pelo marido para se defender das acusações de compras de influenciadores.

Em um evento em maio deste ano, o deputado exaltou a bem-sucedida carreira e disse que era dono de 19 empresas. Questionado sobre a afirmação, disse que são pequenas iniciativas na área de tecnologia. Até este mês, os planos de Corrêa iam de vento em popa, inclusive com sua candidatura ao Senado. O seu envolvimento no caso da compra de publicações na internet, porém, interrompeu seu discurso de campanha.

—Eu tenho uma vida lisa, reta, 18 anos sem processo, nem inquérito, sem nada. Tudo que tenho está na minha declaração à Justiça eleitoral —disse ao GLOBO.

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Prática ilegal afeta credibilidade das redes sociais

Daniel Salgado

Miguel Caballero

30/08/2018

 

 

Especialistas alertam para risco de contaminação do debate público na internet quando há opiniões compradas

A compra de elogios de influenciadores digitais a candidatos e partidos políticos e o pagamento a usuários da internet para compartilhar conteúdo de propaganda política, para além de serem práticas proibidas pela legislação eleitoral, trazem o risco de contaminar o debate público nas redes sociais, avaliam especialistas ouvidos pelo GLOBO.

A advogada especializada em direito digital Flávia Penido alerta para um possível efeito danoso de perda de credibilidade das discussões na internet, que se tornou o principal fórum público nos últimos anos:

— A partir do momento em que você não tem certeza se aquela pessoa emitiu opinião porque acha isso mesmo ou porque é paga, você fere a credibilidade da rede. Cria-se um ambiente turvo, em que não se consegue definir o que é verídico ou espontâneo. Por isso, existe a legislação exigindo que se obrigue a dizer o que é publicidade e o que não é. Atinge a credibilidade da rede, em última análise é até um ataque à democracia — avalia Penido. —Fake news não é só você ter a informação incorreta. Também é a manipulação de como a informação é distribuída na rede. Quando muita gente fala de um assunto, isso vira pauta. Fabricar isso de forma não orgânica é uma forma artificial de ter o controle da narrativa.

Diretor de Análise de Políticas Públicas da FGV, Marco Aurélio Ruediger diz que casos como de compra de elogios na internet pelo PT impactam em como os discursos políticos são percebidos nesses espaços virtuais:

—Isso é diferente de robôs, por exemplo. Esses influenciadores têm certa reputação com seus seguidores. Uma manipulação do discurso leva a uma distorção de importância de um candidato A ou B dentro dessa rede — aponta, acrescentando a possível criação de um “abismo de confiança”. —Se chega nesse nível, você induz o debate de forma artificial. Vivemos uma polarização que é diferente da de 2014. Hoje, há disputa interna em ambos os campos políticos.

Para Pablo Ortellado, professor e pesquisador do Monitor do Debate Público no Meio Digital da da USP, a descoberta pode prejudicar ainda mais o debate e o diálogo entre os polos políticos.

— Ainda é cedo para se determinar, mas, caso se confirme, pode abalar a credibilidade de algumas vozes da esquerda. Se confirmar a magnitude do que aconteceu, vai colocar sob suspeita uma série de pessoas que tinham uma voz importante nas redes. Isso reforçaria também preconceitos infundados da direita, que poderia passar a apontar o caso para tentar descreditar o diálogo. Isso pode diminuir o diálogo entre os dois lados. — explica Ortellado.