O globo, n. 31068, 29/08/2018. Economia, p. 19

 

MOEDA AMERICANA VAI A R$ 4,141

Gabriel Martins

Eliane Oliveira

29/08/2018

 

 

Cotação é a 3ª maior desde 1994. BC fará leilões de até US$ 2,15 bi na sexta-feira

O dólar atingiu ontem sua terceira maior cotação desde a entrada em vigor do Plano Real, em 1994. A moeda americana teve alta de 1,48% e alcançou R$ 4,141, atrás apenas de 23 de setembro de 2015 (R$ 4,145) e 21 de janeiro de 2016 (R$ 4,166). Na máxima, ontem, chegou a R$ 4,147, devido a preocupações do mercado com o cenário eleitoral. No fim da tarde, o Banco Central (BC) anunciou que fará dois leilões de linha (venda de dólares com compromisso de recompra) no dia 31, de até US$ 2,15 bilhões. Mas não se trata de dinheiro novo. A ideia é rolar os contratos que vencem em setembro para 5 de novembro e 4 de dezembro.

O anúncio mostra uma atuação, ainda que discreta, do BC no mercado de câmbio. Se a rolagem não fosse feita, a oferta de moeda estrangeira no mercado seria reduzida no vencimento dos contratos, no próximo dia 5, pressionando ainda mais a cotação da divisa.

— Acredito que o anúncio do leilão de linha, embora seja só na sexta-feira, vai se refletir positivamente no pregão desta quarta-feira —disse Raphael Figueredo, analista da Eleven Financial Research.

Ontem, foram vendidos 4,8 mil contratos de swap cambial, que equivalem à venda futura de dólares.

Na falta de notícias externas, pesou o cenário eleitoral incerto. Na véspera, tanto o câmbio como o mercado acionário se beneficiaram do acordo entre Estados Unidos e México.

— No período eleitoral, qualquer fato relacionado a políticos e campanhas traz volatilidade para o dólar — explicou Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença.

No cenário externo, a maior parte das moedas emergentes registrou queda. O Dollar Index, da Bloomberg, que acompanha o desempenho da divisa frente a uma cesta de dez moedas, teve alta de 0,15%.

O Ibovespa, principal índice do mercado acionário brasileiro, caiu 0,59%, aos 77.473 pontos.

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Valorização da divisa traz alívio para exportadores

João Sorima Neto

29/08/2018

 

 

Avanço do dólar pode compensar, em parte, aumento de custos de produção, como frete, e perda de mercados no exterior; Com alta da moeda, setor de proteína animal espera, ao menos, terminar o ano no zero a zero

Enquanto a maior parte dos brasileiros vê com preocupação a forte valorização do dólar, um pequeno grupo respira aliviado: os exportadores, de frango e grãos a calçados. O avanço da moeda americana frente ao real ajuda a engordar o caixa dessas empresas e a reduzir, ao menos em parte, o impacto do aumento de alguns custos de produção, como o frete, e a perda de mercados compradores no exterior.

No ano, o dólar acumula valorização de 25%. Analistas esperam que a cotação da moeda, que ontem atingiu R$ 4,141, recue após as eleições e feche 2018 em R$ 3,70. Se esse cenário se confirmar, a rentabilidade dos exportadores vai subir 12% este ano, segundo cálculos de André Mitidieri, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Para os exportadores de frango —que perderam mercado externo este ano depois de a União Europeia suspender a compra de produtos brasileiros devido aos problemas sanitários apontados pela Operação Carne Fraca —, a alta do dólar pode ajudar a conseguir resultados “empatados” com as vendas ao exterior no ano passado.

O setor abriu novas frentes de venda, como a Coreia do Sul, que voltou a comprar o frango brasileiro. Mas as exportações, em volume, devem encolher até 3% em relação a 2017. No início do ano, esperava-se crescimento de 2% a 4%.

— Se o dólar continuar no atual patamar e as exportações ficarem acima das 400 mil toneladas ao mês, empatamos em zero a zero — diz Ricardo Santin, vice-presidente e diretor de mercado da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), lembrando que já houve aumento de custos por causa da alta do preço dos grãos e do valor mínimo do frete.

No caso dos grãos, os produtores de soja ainda não fizeram os cálculos do impacto de um dólar mais valorizado nas exportações. Mas o câmbio mais favorável e um “prêmio” pela soja brasileira em decorrência da disputa comercial entre China e Estados Unidos, beneficiam o produto brasileiro, reconheceu Sergio Castanho Teixeira Mendes, diretor-geral da Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec).

VOLATILIDADE PREOCUPA

Ainda assim, o aumento do frete deixará um passivo, diz Mendes. A Anec estima custo adicional de US$ 2,4 bilhões sobre os 118 milhões de toneladas (soja, farelo de soja e milho) a serem exportadas.

— Neste momento, nossa principal questão é a alta do frete, que traz falta de previsibilidade ao setor. As exportações de milho podem cair por causa desse aumento de custo, e o Brasil pode deixar de ser o segundo maior exportador do produto —diz Mendes.

Mas o setor de calçados, apesar de também ganhar com as exportações, está menos eufórico com a alta do dólar. De acordo com Heitor Klein, presidente da Abicalçados, entidade que representa o setor, a volatilidade da moeda atrapalha a formação de preços:

—As empresas não sabem como estará o dólar em 15 dias. Há muita incerteza, e a expectativa é que o dólar recue para entre R$ 3,70 e R$3,60 até o fim do ano. Não dá para contar com esse ganho do dólar a R$ 4.

COMPONENTE DE INCERTEZA

O empresário Marlin Kohlrausch, dono da Bibi Calçados, que tem 104 lojas no Brasil, duas no exterior e exporta para 70 países, lembra que, assim como o real se desvalorizou frente ao dólar, outras moedas de países emergentes também perderam valor, o que faz com que o produto brasileiro fique mais caro nesses mercados.

— Esses países vão comprar menos —pondera.

O economista Sílvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, também vê problemas na valorização do dólar:

— Essa oscilação da moeda é muito ruim, porque representa um componente a mais de incerteza.