O Estado de São Paulo, n.45568 , 22/07/2015. Política, p.A8

LOBBY DO SERVIDOR REÚNE A MAIOR BANCADA DA CÂMARA

Adriana Fernandes
 
 
 
 Recorte capturado

 

Antes focada em demandas pontuais, bancada do funcionalismo ganhou visibilidade durante votação da reforma da Previdência

 

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

 

Um quarto dos deputados federais é servidor público e atua hoje como a maior força de pressão no Congresso Nacional. Antes dispersa e focada em demandas pontuais, essa bancada se uniu e ganhou visibilidade durante a votação da reforma da Previdência ao reagir à ofensiva do governo, que dizia atacar os privilégios do funcionalismo.

É a atuação desse e de outros grupos de interesse no Congresso que o Estadão/Broadocast passa a publicar a partir de hoje. A reportagem ouviu centenas de parlamentares, assessores e representantes dos quatro mais poderosos lobbies do Parlamento (os outros três serão apresentados nas próximas semanas). Esses grupos têm 289 deputados ou 32 votos a mais do que a maioria absoluta (257) da Casa.

Fortalecido, o grupo ligado aos servidores públicos trabalha para estimular candidatos que patrocinem a agenda do funcionalismo com o objetivo de manter a influência sobre o Legislativo e impedir medidas de ajuste fiscal que são esperadas para o próximo governo e que afetarão as categorias. “É o lobby mais poderoso que tem no Brasil, sem nenhum pudor de defender privilégios”, diz o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), que viu a proposta ser engavetada diante da pressão do funcionalismo.

O Estadão/Broadcast fez um mapeamento inédito dessa bancada. Ela é pouco conhecida e age sem alarde, mas tem expandido seu alcance com sucesso, barrando projetos que vão contra seus interesses e aprovando propostas que beneficiam o funcionalismo. Dos 513 deputados, 132 são servidores (25,7% do total). Eles estão espalhados em partidos de diferentes campos ideológicos – do PT ao PSDB, passando por PSOL, MDB, DEM, entre outros – e não têm bandeira única.

Mesmo entre aqueles que não são servidores, a atuação em defesa das categorias é ampla. Seis em cada dez parlamentares da Câmara já intercederam pelas categorias. Ao todo, 304 deputados que já apresentaram propostas ou requerimentos que favorecem os funcionários públicos, na maior parte das vezes em projetos que elevam salários ou desoneram as carreiras de tributos. Entre os deputados servidores, 72% já atuaram pró-funcionalismo. Segundo o IBGE, são 11,5 milhões de empregados no setor público, 5,5% da população.

 

Eficácia. A quantidade de entidades dificulta a tentativa do governo de se blindar contra a pressão. No Executivo, são 267 sindicatos e associações com as quais precisa negociar. É por isso que a eficácia de atuação é maior do que a de outras bancadas mais barulhentas e com grande repercussão em redes sociais.

Seu poder de fogo foi decisivo para enterrar não só a reforma da Previdência, mas também medidas consideradas pela área econômica como cruciais para o ajuste, como o adiamento do reajuste de servidores e a reestruturação das carreiras, proposta que limitaria o salário inicial da maior parte das categorias a R$ 5 mil. Hoje, as dez carreiras mais bem remuneradas têm salários iniciais a partir de R$ 20.109,56, e ganham até R$ 29.604,70.

Mesmo com a pressão contrária, o grupo também tem conseguido adiar o fim dos chamados “penduricalhos”, benefícios como auxílio-moradia que muitas vezes fazem os salários superarem o teto do funcionalismo, hoje em R$ 33.763,00.

Mais recentemente, barrou a tentativa de proibir aumentos salariais em 2019, que será o sexto ano com gastos maiores que as receitas, e garantiu caminho aberto para brigar por reajustes no primeiro ano do mandato do próximo presidente. A força do grupo ficou exposta na votação no plenário. Pouco antes de seu início, a liderança o MDB, partido do presidente Michel Temer, orientou o voto a favor do projeto. Diante da resistência da bancada, a liderança voltou atrás e passou a aconselhar o voto contrário ao congelamento.

Na área econômica do governo, há uma preocupação com essa força de mobilização, porque ela tem desequilibrado as negociações das medidas fiscais no Congresso. Os tentáculos da bancada também estão no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Ministério Público. No fim de 2017 e às vésperas do recesso judiciário, o ministro do STF Ricardo Lewandowski deu liminar suspendendo o adiamento dos reajustes proposto pelo governo para equilibrar suas contas. A decisão teve apoio da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e deixou o governo sem margem para recorrer a tempo de evitar os aumentos salariais.

 

Frentes. No Congresso, existem formalmente a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que reúne 196 deputados, e a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Servidores do Poder Judiciário, da União e do Ministério Público da União, com 218 deputados. O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), que coordena a Frejusmpu, diz que ajuda os servidores em causas que ele acha justas. Sávio admite, porém, que há “abusos” na mobilização”. / COLABORARAM NEILA ALMEIDA e PAULO OLIVEIRA, ESPECIAIS PARA O ESTADO

 

Poder

“É o lobby mais poderoso que tem no Brasil, sem nenhum pudor de defender privilégios. Na comissão (da reforma da Previdência), eles defendiam o mais pobre, mas no meu gabinete só defendiam seus salários.”

Arthur Oliveira Maia (DEM-BA)

RELATOR DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA

 

FUNCIONALISMO PÚBLICO

Como os deputados servidores votam na Previdência

75 – CONTRA

16 – A FAVOR

33 INDECISOSINÃO QUISERAM RESPONDER

8 NÃO FORAM ENCONTRADOS/NÃO ESTAVAM NO EXERCÍCIO DO MANDATO (NO MOMENTO DA ENQUETE)

 

267

É O TOTAL DE SINDICATOS E ASSOCIAÇÕES COM AS QUAIS O GOVERNO TEM DE NEGOCIAR

 

 

 

Deputados que já apresentaram projetos ou requerimentos a favor dos servidores

PT -  42

MDB - 30

PSDB - 29

PP - 26

DEM - 25

PSD - 18

PR - 18

PSB - 13

PDT - 13

PTB - 13

PRB - 12

PODE - 9

SD - 7

PROS - 7

PSL - 7

PCdoB - 6

PSC - 6

PPS - 4

AVANTE - 4

PATRIOTA - 4

PSOL - 3

PV - 3

PHS - 2

REDE - 2

PPL - 1

 

Principais propostas*

● Extinção de contribuição previdenciária paga por servidores inativos que ganham mais que o teto do INSS

● Vinculação de salários de algumas carreiras à remuneração de ministro do STF

● Isenção de Imposto de Renda para determinadas carreiras ou para servidores aposentados

● Permissão para que servidores possam pedir alteração de cargo quando são remanejados

● Incorporação de pessoas ao quadro de funcionários de ex-territórios

● Criação de cargos

*MUITAS SÃO ALVO DE REQUERIMENTOS PARA QUE TRAMITEM EM URGÊNCIA OU SEJAM INCLUÍDAS NA ORDEM DO DIA PARA VOTAÇÃO

 

 

O que o lobby conseguiu

EM REAIS

R$ 480 BILHÕES

1. Barrar reforma da Previdência, que tinha como um dos objetivos igualar regras do INSS

 

R$ 21,6 BILHÃO

2. Barrar mudança no auxílio-moradia e ajuda de custo para servidores do Poder Executivo

 

R$ 5,1 BILHÕES

3. Liminar do STF que ordenou concessão dos reajustes no início de 2018

 

R$ 2 BILHÕES

4. Pagamento de bônus para auditores-fiscais da Receita, advogados da União e peritos do INSS

 

R$ 1,9 BILHÃO

5. Barrar elevação da alíquota previdenciária de 11% para 14% para salário acima do teto do INSS

 

INDEFINIDO

6. Aprovação de negociação coletiva: obrigava o governo a negociar com grevistas

 

OS OBJETIVOS DAS CARREIRAS

Carreiras

Lobby quer barrar a reestruturação das carreiras do Executivo, que tem como pilar central a limitação do salário inicial a R$ 5 mil e a ampliação do número de “degraus” para progressão na carreira.

 

Teto de gastos

Servidores querem mudar o teto de gastos, a regra que limita crescimento das despesas à inflação dos 12 meses até junho do ano anterior prevê. Isso porque ela, em caso de violação ao teto, prevê a proibição de aumentos reais nos salários de servidores e a criação de novas vagas.

 

Penduricalhos

Funcionalismo quer barrar também o teto remuneratório, que é a medida que o governo quer aprovar para eliminar os chamados “penduricalhos” nos salários, impedindo que o funciona receba acima do equivalente ao salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 33,7 mil mensais). Hoje, servidores recebem auxílios, bônus e outros benefícios que turbinam o salário para além desse valor.

 

Reajuste

As associações querem novos reajustes salariais. As carreiras que negociaram acordos até 2017 já fazem peregrinação no governo para tentar emplacar o pedido. O objetivo é igualar as condições negociadas por categorias que fecharam reajustes até 2019, o que teria impacto de R$ 17,5 bilhões em dois anos nos cofres do governo.

 

Greve

As entidades defendem a regulamentação do direito de greve, tentando aprovar lei com esse fim. Governo também quer regulamentar greve, mas sem dar tanto poder ao funcionalismo como fazia a proposta vetada.