Correio braziliense, n. 20219, 29/09/2018. Política, p. 6

 

PT aposta na volta de Dilma

Bernardo Bittar

29/09/2018

 

 

Dois anos depois de deixar o Planalto por impeachment, a ex-presidente lidera as pesquisas na disputa por uma das vagas de Minas Gerais no Senado. No Congresso, porém, reencontrará os desafetos que colecionou durante o mandato

O retorno de Dilma Rousseff (PT) à vida pública é visto entre os petistas como uma espécie de “cura ressaca”. Líder nas pesquisas para o Senado por Minas Gerais, a candidata poderá voltar à Esplanada na primeira eleição após deixar o Planalto. O mandato de Dilma como presidente da República acabou dois anos antes do previsto. Rejeitada por 70% da população, foi destituída pelo Congresso Nacional em 2016. Sem a ajuda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu antecessor e padrinho político, vai lidar sozinha com os desafios da volta ao poder.


Embora confiantes, aliados reconhecem que será um retorno difícil. O impeachment ainda está fresco na memória da população. Uma crítica esperada é a escolha do Senado. Petistas qualificam a saída de Dilma como “um golpe do Congresso”. Dois anos depois, ela retorna ao poder como possível membro do parlamento. “Não tem mal-estar. Ela vai para o Senado mostrar que a mudança tem que vir ali de dentro. A volta para Brasília é simbólica. Não estamos pensando em poder. Mas, sim, nas mudanças”, comenta um cacique petista presente nos 13 anos de gestão do partido.

Pesquisa Ibope divulgada na última quinta-feira aponta Dilma como a primeira colocada para o Senado em Minas, com 26% das intenções de voto. Dinis Pinheiro (SD) e o Jornalista Carlos Viana (PHS), empatados, têm 15%. “Os números foram impressionantes, ainda mais se a gente lembrar que ela foi tirada do poder depois que a população bateu panelas pela saída do PT do governo federal. A imprevisibilidade dessa eleição não tem precedentes”, explica o cientista político Felippo Cerqueira, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) lembram que um dos obstáculos é o temperamento fechado da candidata. “Quando a gente estava trabalhando para evitar o impeachment, não tinha hora para ela fazer ligações. As cobranças eram imensas. Dilma fez inimigos como presidente. Fará novos como senadora. Precisa ter segurança e pulso firme para sustentar o mandato”, explica um dos profissionais que cuidaram da defesa da ex-presidente nas comissões do impeachment.

O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (RS), é um dos que defendem abertamente o retorno da ex-presidente. “Dilma volta pela porta da frente”, diz. O parlamentar acredita que a chancela da população nas pesquisas traz à sigla a segurança que faltava no começo da campanha. “E mostra que ela tem luz. Que está segura. O capital político da presidenta tem valor”, disse ao Correio. Os bons índices surpreenderam até a mais alta cúpula da legenda. Quando a petista deixou o Planalto, em setembro de 2016, seus índices de rejeição no DF batiam 84% — bem mais que a média nacional de 70%, segundo o Ibope.

O desgaste ficou evidente durante a Copa do Mundo, quando Dilma foi vaiada e xingada na inauguração do evento, em São Paulo. A situação fez com que ela escanteasse a publicidade dos eventos públicos. Quando baixava a guarda, acabava criticada pelas gafes e confusões cometidas com autoridades e jornalistas. Uma carta enviada pelo presidente Michel Temer trouxe à tona a dificuldade de convivência com a chefe do Executivo.

Temer reclamava de ser tratado como um “vice decorativo”, dias antes de a população ir às ruas pedir o impeachment da primeira presidente mulher do Brasil. “Essa carta foi um golpe enorme. Dilma foi acusada de centralizar o poder. Ou seja: se estava errado, era culpa dela. Diziam que ela não ouvia os conselheiros, que não sabia como tomar decisões sozinha. Foi desacreditada”, detalhou outro petista que frequentava o Planalto durante a gestão da hoje candidata.

A volta para Brasília é um dos maiores desafios que ela terá de enfrentar, se eleita senadora. Os desafetos feitos na época de Presidência podem atrapalhar o mandato no parlamento. Além disso, Dilma cuida da saúde de mãe, Dilma Jane, de 90 anos. Os problemas vão de embolia pulmonar a um AVC isquêmico. Mantida fora da realidade, não soube nem que a filha deixou o Planalto após o impeachment. Tampouco saberá que, após as eleições, poderá ter motivos para comemorar.

Partida amarga
O 31 de agosto de 2016 foi um dia muito turbulento. A presidente Dilma Rousseff perdeu o cargo por um processo de impeachment, numa votação de 61 a 20, no Senado. Depois, uma segunda votação decidiu se ela deveria perder os direitos políticos. Ela não perdeu. A votação foi de 42 a 36 (com três abstenções), ou seja, favorável à manutenção de seus direitos políticos. A Constituição Federal diz que é atribuição do Senado processar e julgar o presidente e o vice, fora outros cargos, por crimes de responsabilidade. Prevê, também, que a condenação levará “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.