O globo, n. 31064, 25/08/2018. País, p. 4

 

VINTE ANOS DE CAIXINHA

Juliana Castro

25/08/2018

 

 

‘Rei dos ônibus’ confirma pagamento a políticos

Em depoimento à Justiça Federal, ele disse que a prática, chamada pelos cariocas de “caixinha da Fetranspor”, começou há 20 anos e chegava a R$ 6 milhões mensais. Entre os beneficiados citados por ele estariam Jorge Picciani, presidente afastado da Alerj, e Paulo Melo, ex-presidente da Casa, que negam. Embora o empresário tenha evitado apalavra propina, o Ministério Público Federal afirma que os pagamentos eram realizados, inclusive, e manos não eleitorais. Em depoimento à Justiça Federal, o empresário Jacob Barata Filho, conhecido como “Rei dos ônibus”, admitiu ontem pela primeira vez que os donos de empresas de transportes contribuíam para um caixa dois formado pela Federação das Empresas de Transportes do Rio (Fetranspor) com a finalidade de pagar políticos e agentes públicos. Segundo ele, a captação desses recursos começou há aproximadamente 20 anos. Barata Filho não usou a palavra propina para se referir aos pagamentos, que ocorreram, segundo o Ministério Público Federal (MPF), inclusive em anos não eleitorais. Ele não deu detalhes sobre a forma como os pagamentos eram realizados e informou que o caixa era administrado pelo empresário José Carlos Lavouras, responsável pela interlocução com os políticos. Lavouras, que presidia o conselho de administração da Fetranspor, está em Portugal e o MPF não conseguiu sua extradição. Barata Filho contou que, depois de 2009, a contribuição dos donos das empresas para o caixa dois da Fetranspor chegava a R$ 6 milhões. O empresário citou que houve repasse de recursos para o presidente afastado da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani, e para o ex-presidente da Casa Paulo Melo. — Realmente existia um caixa gerado pela Fetranspor para pagamentos a agentes públicos no sentido de tentar melhorar o sistema de transportes — disse Barata Filho.

O juiz Marcelo Bretas pediu que o empresário explicasse melhor a declaração. —O objetivo desse caixa da Fetranspor era buscar a satisfação do usuário e evitar projetos que viessem a prejudicar o setor —respondeu. Ele declarou que os presidentes da Alerj eram pessoas importantes nesse contexto e que faziam a interface com outros deputados. E disse que os deputados afastados Jorge Picciani e Paulo Melo, ambos do MDB, receberam recursos. Os parlamentares negam o recebimento de propinas.

— Não posso afirmar ser pagamento de propina. Não era eu quem fazia esse acordo com os agentes políticos —afirmou Barata Filho. Questionado se outros políticos recebiam contribuições, ele respondeu: —Com certeza.

R$ 80 MILHÕES DEVOLVIDOS

Durante o depoimento, Bretas disse que Barata Filho devolveu espontaneamente R$ 80 milhões numa tentativa de reparação de danos. O empresário é réu no processo que está em primeira instância sobre o pagamento de propina de empresas de transporte para políticos. Um segundo processo, com os deputados que têm foro privilegiado, corre na segunda instância. Barata Filho foi preso no Aeroporto do Galeão em julho do ano passado, quando tentava embarcar para Portugal. A prisão dele acabou antecipando a deflagração da Operação Ponto Final, que investiga o pagamento de propina dos empresários de ônibus ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e a outros políticos. O empresário está solto, após três habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Réu no processo em primeira instância, Felipe Picciani, filho do presidente afastado da Alerj, também prestou depoimento a Bretas e teve sua prisão revogada. Bretas entendeu que, após nove meses preso, não há fatos que justifiquem a manutenção da medida cautelar. Disse ainda que, até o momento, não encontrou elementos da participação de Felipe na organização criminosa.

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Revela-se a lenda urbana da política do Rio

Carla Rocha

25/08/2018

 

 

Há pelo menos 20 anos, ela consta como um dos mais indignos, e obscuros, verbetes do decálogo da política do Rio. Hoje, a Lava-Jato está revirando a “caixinha da Fetranspor”, mas, em 1999, o movimento era inverso. Naquele ano, os deputados estaduais deram uma cambalhota para escondê-la, sepultando a CPI proposta para investigar o caso. O então presidente da Alerj era Sérgio Cabral e o vice, Jorge Picciani, que agora são personagens principais da investigação em curso. Há quem acredite piamente que coincidências existem. Num processo rápido, o então arremedo de comissão foi derrubado por 49 votos a 16, como se atropelado por um ônibus em alta velocidade.

Todos estavam convencidos de que não havia empresários pagando para obter facilidades do estado. Cabral chegou a declarar, indignado: “Aqui não tem ‘caixinha’. Se o lobby existe, não é responsabilidade minha. Nunca ouvi falar em ‘caixinha’. Se alguém me disser o nome do deputado que recebe dinheiro, eu vou investigar”. Mas não investigou e, dias depois, a CPI já estava fora de cogitação.

A denúncia feita, dias antes, pelo então governador Anthony Garotinho, que declarou, com grande estardalhaço, ter sofrido uma tentativa de suborno, ficou no ar. Também ficou no limbo a existência de um tal “Coelho”, figura obscura que seria interlocutor dos empresários. Ele nunca apareceu para contar sua história, tampouco foi achado pelo Ministério Público. E Garotinho, que esperneou, foi acusado, em discurso no plenário da Alerj, de ter, primeiro, jogado para a plateia ao reduzir a tarifa dos ônibus e depois, vencido na Justiça, de ter, por fim, cedido o aumento. O fato é que, desde então, a “caixinha da Fetranspor” virou lenda urbana. Com uma diferença: todo mundo sabia que ela era de verdade, uma fábula, feita só de malfeitores. No ano passado, Picciani, Paulo Mello e Edson Albertassi, todos do MDB, foram presos acusados de terem recebido milhões em propina. Depois de Cabral, Picciani foi seis vezes presidente da Alerj. Paulo Melo também ocupou o cargo. Nada se fez em todos esses anos sobre as queixas dos usuários ou mesmo sobre justas demandas dos próprios gestores do setor para melhorar o sistema de transporte. Há quem jure, de dedos cruzados, que coincidências existem.

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Funaro: Cunha repassava propina a Temer desde 2003

Aguirre Talento

Bela Migale

25/08/2018

 

 

Segundo operador financeiro, valores eram entregues em São Paulo; assessoria de presidente chama acusador de “mentiroso”

O operador financeiro Lúcio Funaro afirmou, em um novo depoimento à Polícia Federal (PF), que o exdeputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) repassava propina ao presidente Michel Temer desde “2003 ou 2004”. O depoimento do operador, obtido pelo GLOBO, foi tomado no inquérito dos Portos, com o objetivo de obter novas provas de pagamentos ilícitos ao presidente envolvendo o setor portuário. Funaro acrescentou novos detalhes às informações prestadas em sua delação premiada, fornecendo uma cifra inédita aos investigadores: o delator identificou que Altair Alves Pinto, apontado como transportador de dinheiro de Cunha, retirou ao menos R$ 90 milhões em espécie do seu escritório. “Dentre esses pagamentos o depoente pode afirmar com certeza que alguns destes valores ilícitos tiveram como destino direto o presidente Michel Temer”, diz relatório. O operador relatou que Altair retirava os valores em seu escritório, em São Paulo, e os entregava no escritório de Temer ou no do advogado José Yunes, amigo do presidente. “Tem conhecimento que desde 2003 ou 2004 Eduardo Cunha repassava valores decorrente de ‘propina’ para o senhor Michel Temer e que por algumas vezes o senhor Altair Alves Pinto retirava dinheiro no escritório do depoente e entregava no escritório do presidente Michel Temer ou para José Yunes, tendo também como destinatário final Michel Temer, conforme relatado por Altair”. Procurada para comentar, a assessoria de Temer afirmou: “Lúcio Funaro é um mentiroso contumaz já desmentido por outras testemunhas e pelos fatos. Fala sem provas e cria falsas versões”. Em seu novo depoimento, Funaro também deu detalhes sobre o relacionamento entre o dono do grupo Libra, Gonçalo Torrealba, e Eduardo Cunha. Segundo o operador, Torrealba emprestava um helicóptero para uso de Cunha durante suas campanhas eleitorais e ambos viajavam juntos a lazer, com suas famílias.