Título: Uma mala com R$ 20 mil
Autor: Valadares, João
Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2012, Política, p. 2

A situação do senador goiano Demóstenes Torres (sem partido) ficou ainda pior após os depoimentos secretos prestados na manhã de ontem, no Conselho de Ética do Senado, pelos delegados da Polícia Federal Matheus Mella Rodrigues e Raul Alexandre Marques, responsáveis pelas Operações Vegas e Monte Carlo. Parlamentares revelaram que os investigadores citaram um diálogo em que Gleyb Ferreira da Cruz, tesoureiro da organização criminosa chefiada pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, ligou para o contraventor dizendo estava na frente da casa do senador “com os R$ 20 mil de Demóstenes”. Ao perguntar a Cachoeira o que era para fazer com o dinheiro, recebe como resposta: “Uai, entrega o trem a ele.”

Os policiais informaram aos senadores que, nas duas operações, há o registro de 416 diálogos entre Cachoeira e Demóstenes. Na Operação Vegas, iniciada em 2009, a Polícia Federal contabilizou 63 conversas entre os dois durante 45 dias de investigação. Na Monte Carlo, que começou em 2011, são 353 diálogos. O parlamentar ainda foi flagrado trocando informações com 25 pessoas investigadas nas duas operações.

Os depoimentos dos delegados, também ouvidos na CPI do Cachoeira, foram considerados extremamente técnicos e detalhados. Parlamentares de diversos partidos saíram da sessão alegando que não restava mais qualquer dúvida de que Demóstenes colocou o mandato a serviço do crime. O senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) avalia que não há condições de Demóstenes continuar no Senado.

“Pelo depoimento dos delegados, percebemos que o parlamentar tem uma atuação de membro da organização, de alguém que defende interesses da contravenção no parlamento brasileiro.” Num dos diálogos revelados, o senador diz que discorda da interpretação de Cachoeira em relação a uma lei específica para legalização dos bingos, mas, mesmo assim, avisa que faz o que ele quiser.

Defesa O senador Humberto Costa (PT-PE), relator do processo no Conselho de Ética, afirmou apenas que os depoimentos foram bastante desfavoráveis, no entanto, preferiu não emitir nenhum juízo de valor em relação à atuação parlamentar de Demóstenes. “Na verdade, na condição de relator, não cabe a mim tecer comentários sobre a situação do senador. Acho que o importante dos depoimentos foi a reafirmação do tipo de relacionamento entre Demóstenes e Cachoeira.”

O parlamentar pernambucano afirmou que o bicheiro é testemunha de defesa de Demóstenes. Cachoeira vai ser ouvido no Conselho de Ética, na próxima semana. “Ao contrário da CPI, acredito que, no Conselho de Ética, pelo fato de ser testemunha de defesa demanda por Demóstenes, ele deve falar. O silêncio prejudicaria o senador. Se ele tem o que dizer em defesa de Demóstenes, ele deve comparecer.”

Durante o depoimento dos delegados, a defesa de Demóstenes fez perguntas para tentar mostrar que o senador era investigado ilegalmente. Em nenhum momento, os defensores do parlamentar se referiram ao mérito da questão. Os delegados deixaram claro que Demóstenes não era alvo da investigação. O senador teria caído nos grampos em razão dos diálogos frequentes com os integrantes da organização criminosa. Conforme os policiais, há muitas perguntas sem respostas justamente porque os políticos que se relacionavam com os integrantes do grupo não foram investigados.

“Os delegados, por exemplo, não souberam informar a origem daquele ‘um milhão do Demóstenes’ que é citado num dos diálogos entre Cachoeira e o contador da organização criminosa. É maior prova de que ele não estava sendo investigado”, alegou o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP