O globo, n. 31064, 25/08/2018. Rio, p. 11

 

'O TIROTEIO DEVERÁ SER CRESCENTE'

Joaquim Silva e Luna

Vinicius Sassine

25/08/2018

 

 

O senhor tem conhecimento de outra operação que tenha sido tão letal aos militares quanto à realizada esta semana no Rio, que terminou com três mortos?

Ao entrar numa operação como essa, o risco já está posto. Faz parte da missão. Logicamente, tenta-se minimizar o risco. Aquele terreno era pouco conhecido pelos militares. O que afeta um, afeta todos. Todo mundo se sente pessoalmente atingido.

A letalidade em ações da intervenção será maior a partir de agora?

A integração da polícia, que não existia, passou a ser feita. Uma quantidade muito grande de policiais que estava em atividades administrativas já está incorporada ao trabalho operacional. Existia uma quantidade grande de UPPs que não tinham finalidade alguma. Foram extintas, e seu pessoal está incorporado. PMs estavam despreparados. Tiveram que treinar, fazer aula de tiro. Agora, essa resultante vai atuar contra o crime organizado. Os grupos começaram a se enfrentar, lutam entre eles. O tiroteio, o enfrentamento provocado por eles mesmos, deverá ser crescente.

Enfrentamentos entre grupos rivais podem se intensificar?

Tendem a se intensificar e causar mais mortes. Isso não é uma profecia. É uma conclusão. Houve um aumento de 40%, no entanto, da quantidade de mortes em decorrência de ações policiais: foram 636 entre março e julho deste ano, ante 460 no mesmo período do ano passado. Os dados catalogados na época eram inconsistentes, a polícia estava em greve. O número de notificações ficava abaixo do que acontecia de fato. Além disso, ao se deparar com o criminoso, a tendência da polícia, por falta de meios, era se omitir. Agora, ela está disposta a enfrentar. Isso aí pode aumentar a letalidade. A ação da polícia não é matar. Ela vai tentar prender. Do enfrentamento pode surgir a morte.

Diante da morte de um PM, é comum, no Rio, que ocorra uma contraofensiva, muitas vezes motivada por vingança. Isso pode vir a acontecer agora, diante da morte dos três militares?

Eu diria que não. Uma forma que as Forças Armadas usam até como método é trocar a tropa empregada ali. Tira aquela tropa e coloca outra. Troca o efetivo, troca o comandante da operação. Se formos dominados por isso, a missão acaba. Na operação no Complexo do Alemão, cinco jovens de uma mesma família foram presos pelos militares, e a Justiça entendeu que não havia razão para as prisões. Eles ficaram quatro dias presos. O sentimento que passa é de impunidade. Mas, do outro lado, está a Justiça, que fez sua avaliação e considerou que não era o caso de se criminalizar. A primeira percepção que passa é que estamos tirando com uma mão e colocando com outra. Ele se sente reforçado, se é que tem alguma culpa.

Ele quem, ministro?

O criminoso. Ele se sente reforçado e volta como herói. Passa a exercer uma liderança como herói dentro do seu universo.

A Justiça se equivocou?

Não tenho esses dados para avaliação. Estou falando da percepção que passa. Ele sendo abraçado, sendo festejado. Alguém que estava envolvido naquele ambiente é complicado. Estão fazendo exaltação ao crime, em vez de exaltarem quem está combatendo o crime.

Como o senhor viu a morte de um adolescente de 14 anos a caminho da escola na Maré, em junho, usando o uniforme escolar? Um helicóptero sobrevoava a comunidade e efetuava disparos.

A gente vê com lamento. Já há versão de que o tiro não partiu do helicóptero, mas se for isso aí, é lamentável.

A vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes foram assassinados há 163 dias. Já se sabe quem matou os dois?

Não se sabe. Isso é uma caminhada de aproximação a um objetivo, a um ponto. Nunca foi interrompida essa caminhada, e sabe-se que está se aproximando desse ponto.

Saberemos quem cometeu o crime até o encerramento da intervenção, previsto para 31 de dezembro?

Esse é o objetivo. Identificado o criminoso, essa pessoa, esse grupo, será entregue com todos os instrumentos da investigação à Justiça. Seria muito ruim identificar uma pessoa e, no dia seguinte, ela aparecer andando de short por Copacabana.

O êxito ou o fracasso da intervenção depende da solução desse caso?

O êxito da intervenção vai estar na reestruturação da polícia do Rio. O caso Marielle será parte da percepção do êxito. Resolvido, é uma percepção. Não resolvido, é outra percepção.

A intervenção acabará em dezembro?

A tendência é acabar mesmo em dezembro.

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COMANDO INSATISFEITO

Vinicius Sassine

Karla Gamba

Pedro Zuazo

25/08/2018

 

 

Militares fazem críticas e preveem mais mortes

Duas das mais importantes autoridades militares do país demonstraram ontem, em Brasília, descontentamento com os rumos da intervenção federal na segurança pública do Rio. Em um discurso lido durante uma cerimônia que antecipou as homenagens ao Dia do Soldado (celebrado hoje), o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas afirmou que “o componente militar é, aparentemente, o único a a engajar-se na missão”, numa crítica direta aos governantes do estado e do município. Pouco depois, em entrevista ao GLOBO, o ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, disse que, daqui para frente, a tendência é deu m aumento dalet alidade nos confrontos que vêm ocorrendo em favelas. —Tendem ase intensificar e causar mais mortes. Isso não é uma profecia. É uma conclusão—afirmou Silva e Luna, referindo-se a confrontos entre traficantes, para, em seguida, acrescentar que, agora, a polícia “está disposta a enfrentar”, oque também“pode aumentara letalidade ”.

O ministro deu a declaração numa semana em que dois soldados e um cabo foram mortos por traficantes que reagiram a uma megaoperação nos complexos do Alemão, da Penha e da Maré. O Comando Militar do Leste anunciou ontem o fim das incursões, que, iniciadas na última segunda-feira, resulta ramem 70 prisões ena morte de cinco suspeitos. Silva e Luna disse ainda que a intervenção no estado deverá mesmo terminar no fim do ano. Emocionado com uma homenagem aos três militares mortos no Rio, o general Eduardo Villas Bôas, que enfrenta uma doença degenerativa e teve seu discurso lido por um outro oficial, afirmou que falta apoio à intervenção: —Nenhum setor dos governos locais empenhou-se, com base em medidas socioeconômicas, para modificar os baixos índices de desenvolvimento humano, o que mantém o ambiente propício à proliferação da violência. O governador Luiz Fernando Pezão respondeu à crítica citando ações na área de segurança pública, como compra de veículos e pagamento de parcelas atrasadas do Regime Adicional de Serviço (RAS). Já a prefeitura informou que desenvolveu vários projetos sociais, como oferta de cursos de qualificação, reforma de áreas de lazer e entrega de apartamentos a famílias em condições de vulnerabilidade. A antropóloga Alba Zaluar, coordenadora do Núcleo de Pesquisa das Violências (Nupevi) da Uerj, disse que faltou planejamento na intervenção: — Não foram levados em consideração os aspectos citados pelo general Villas Bôas, para que investimentos e ações fossem feitos de forma conjunta desde o início.

Já a socióloga Julita Lemgruber, que foi diretora do sistema penitenciário e ouvidora de polícia do estado, destacou que investimentos sociais são necessários, mas não trariam resultados em seis meses.