O globo, n. 31062, 23/08/2018. País, p. 12
Mesa da Câmara cassa mandato de Paulo Maluf
Bruno Góes
23/08/2018
Apesar da decisão unânime, corregedor da Casa se disse ‘constrangido’. Ministro Edson Fachin havia determinado perda do cargo; duas décadas após acusação de desvio de dinheiro, Maluf fica inelegível até 2033
A uma semana de completar 87 anos, Paulo Maluf (PP-SP) teve o mandato de deputado federal cassado ontem pela Mesa da Câmara.
A perda acontece duas décadas depois da acusação do uso de contas no exterior para lavar dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo, crime pelo qual foi condenado em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal a quase oito anos de prisão .
Pela condenação do STF, Maluf está inelegível até o final de 2033 — o afastamento da cena política é o dobro da pena imposta.
A decisão da Mesa, unânime, foi tomada numa reunião na residência oficial do presidente da Casa, Rodrigo Maia. A perda do mandato já havia sido determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin em dezembro de 2017, quando também foi decretada a prisão, depois convertida em domiciliar.
Na semana passada, Maluf havia pedido uma semana para pensar na possibilidade de renúncia. Como isso não aconteceu, a Mesa resolveu declarar a perda.
A decisão foi comunicada pelo corregedor da Câmara, Evandro Gussi (PV-SP). O parlamentar disse estar “constrangido” pela decisão. Os parlamentares entendem que o mandato só poderia ser cassado pelo plenário da Câmara, mas a decisão de Fachin determinava a perda do cargo pela direção da Câmara. Os integrantes da Mesa Diretora, em conjunto com Maia, acharam que seria uma “ofensa menor” desrespeitar a decisão judicial do STF.
— A Mesa da Câmara dos Deputados se viu diante de um dilema salomônico. Por um lado, a ofensa à separação dos Poderes e a autonomia do Parlamento num caso que deveria ser levado ao plenário. Temos uma decisão do Supremo que recomenda e determina a declaração da perda do mandato pela Mesa. Por outro lado, o descumprimento de uma decisão judicial também é uma ofensa. Então, o que a Câmara foi obrigada a deliberar foi descumprir a decisão judicial ou cumpri-la e também perpetrar uma ofensa ao Estado de Direito. O que os integrantes decidiram é que a ofensa menor seria cumprir a decisão —disse o corregedor.
Por estar em prisão domiciliar, Maluf foi substituído pelo suplente Junji Abe (MDB-SP). Fachin determinou a cassação pela suposição de que o deputado não poderia ir às sessões.
O advogado de Maluf, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, criticou a decisão . “A Mesa da Câmara não tinha o direito de cassar o mandado do deputado, tal decisão é exclusiva do plenário. Assim procedendo, abriu-se um sério e perigoso precedente, que ataca o próprio texto da Constituição. O Legislativo sai hoje menor desse episódio”, disse Kakay, em nota.
Paulo Maluf foi condenado por usar contas no exterior para lavar dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo quando foi prefeito, entre 1993 e 1996. Para o Ministério Público Federal uma das fontes do dinheiro desviado por Maluf seria a obra da Avenida Água Espraiada, atual Avenida Jornalista Roberto Marinho.
OS MOMENTOS DA VIDA POLÍTICA DE PAULO MALUF DESDE OS ANOS 1970
Os fuscas do tri
Foi condenado a devolver o dinheiro equivalente à compra de 25 fuscas para presentear cada jogador da seleção tricampeã na Copa do México, em 1970. Maluf era prefeito de São Paulo. Maluf recorreu e ganhou em última instância em 2006.
‘Frangogate’
Foi condenado em 2010 por compra superfaturada de frangos feitas quando era prefeito de São Paulo (1993-1996). O caso ficou conhecido como “frangogate”. Ele foi obrigado a devolver R$ 21 mil ao erário. Anos depois, livrou-se da acusação de improbidade administrativa.
O dinheiro
Investigações apontaram que Maluf mandou para o exterior dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo. Só para a Suíça, seriam US$ 13 milhões. Em todas as
entrevistas sobre o assunto, o ex-prefeito ironizava: “Se alguém achar esse dinheiro, é seu”. Os bancos UBS, da Suíça, e Citibank, dos Estados Unidos, depositaram no ano passado R$ 25 milhões nos cofres públicos de São Paulo, desviados na sua gestão.
A primeira prisão
Paulo Maluf e seu filho, Flávio, foram presos em 2005 acusados de formação de quadrilha, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Os dois ficaram 41 dias na carceragem da Polícia Federal, em São Paulo. A prisão foi decretada porque a Justiça entendeu que os Maluf, em liberdade, poderiam atrapalhar o andamento do processo, ocultar provas e coagir testemunhas. Documentos bancários da Suíça somaram 20 quilos e foram usados na ação contra o ex-prefeito.