Título: Despesas do procurador na conta do bicheiro
Autor: Jeronimo, Josie; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2012, Política, p. 4

Além de emprestar a casa, o contraventor Carlinhos Cachoeira pagava as taxas residenciais do imóvel que cedeu ao então procurador-geral de Goiás, Ronald Bicca. Escutas da Polícia Federal mostram um comparsa de Cachoeira questionando o contraventor sobre o pagamento do IPTU da casa situada no Jardim Atenas que o contraventor afirma ter emprestado ao procurador. Bicca deixou o posto de procurador-geral do estado após ter o nome envolvido nas investigações da Operação Monte Carlo. No diálogo, gravado com autorização judicial, ajudante de ordens de Cachoeira questiona se é para pagar o IPTU do imóvel cedido.

"Aquela casa do Jardim Atenas, queria puxar para pagar o IPTU dela, porque se tiver gente morando, o inquilino é que tem que pagar, né. Eu não sei o que está combinado." Cachoeira responde que pagará o imposto. "Não, paga lá. Eu estou emprestando ela (a casa). A gente é que tem que pagar. O Bicca que está morando lá, paga o IPTU lá." O interlocutor de Cachoeira ainda se certifica sobre a responsabilidade com as taxas de água e luz do imóvel . "Pois é, mas água e luz esses trem (sic) ele paga para lá, né?". O contraventor responde que sim e encerra a ligação.

O Jardim Atenas é um bairro de classe média alta de Goiânia, considerado um dos metros quadrados mais caros da capital. Em outra conversa flagrada pela PF, dois operadores de Cachoeira, identificados como Gleyb Ferreira da Cruz e Geovani Pereira, acertam o aluguel de uma casa para o procurador.

Procurado pelo Correio, Bicca confirma que morava no bairro Jardim Atenas, mas nega vínculos com Cachoeira. O procurador alega que morava em imóvel alugado por meio de uma imobiliária e que suas despesas residenciais estão descritas na declaração de Imposto de Renda e as taxas eram descontadas automaticamente em sua conta corrente. "Morei em um hotel, depois me mudei para uma residência. Isso aí foi no Jardim Atenas, mas a casa era alugada em imobiliária. Tudo foi descontado na minha conta corrente e foi declarado no Imposto de Renda."

De "férias" Questionado sobre o motivo que levaria o contraventor a dizer que lhe emprestou a casa, Bicca afirma que nem todas as afirmações contidas nas gravações correspondem à verdade. "Existem citações indevidas. Eu estou tranquilo." O procurador afirmou que está de "férias", licenciado do cargo para fazer um curso no exterior.

As interceptações telefônicas da PF revelam que Bicca era acionado pelo senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) para atender pedidos de Cachoeira no estado de Goiás. Em um dos áudios que integram documentos da Operação Monte Carlo, Carlos Cachoeira solicita ao vereador Wladimir Garcez — ex-presidente da câmara municipal de Goiânia e um dos presos por integrar o esquema Cachoeira — que consiga um "parecer favorável" junto ao procurador para inocentar o delegado Edemundo Dias Filho em um processo administrativo. O pedido foi atendido, mas o procurador afirmou ter dado o parecer porque o caso era "corretíssimo e tranquilo".