O globo, n. 31062, 23/08/2018. Sociedade, p. 27
Maioria no país ainda condena o aborto, mas número diminui
23/08/2018
Segundo Datafolha, 59% dos brasileiros acham que lei deve ser mantida como está, contra 67% em 2015; para 58%, mulher que interrompe gestação deve ser presa
Apesar de manter-se como maioria, diminuiu o grupo de brasileiros que deseja manter a lei do aborto exatamente como está. Em 2015, eles eram 67% dos entrevistados — três anos depois, o índice caiu para 59%. A taxa de pessoas que defendem a legalização da interrupção da gravidez em qualquer circunstância cresceu de 11%, em 2015, para 14% neste ano.
Também diminuiu o número de pessoas que concordam com uma ampliação da lei para que mais casos de aborto sejam permitidos: esse grupo passou de 16% para 13%. Participaram da pesquisa, feita entre segunda e terça, 8.433 pessoas acima de 16 anos em 313 municípios do país. O levantamento foi encomendado pelo jornal “Folha de S.Paulo” e pela TV Globo.
Atualmente, a legislação brasileira permite a realização do aborto em três casos: quando há risco de vida para a mãe, quando a gravidez é fruto de um estupro ou no caso de feto anencéfalo.
Para Jorge Rezende, médico diretor da Maternidade-Escola da UFRJ e membro da Academia Nacional de Medicina, a redução do percentual dos que condenam a prática é reflexo do debate público em torno do aborto, que começa a ser tratado como questão de saúde, e não como um tabu ou dogma:
— Talvez estarmos falando mais sobre o tema seja motivo para as pessoas refletirem. Quando era um tabu, as pessoas apenas aceitavam que era proibido e eram contra. Hoje, com o debate, muitas pessoas começaram a considerar a situação. Mas, certamente, ainda há o dogma.
AUDIÊNCIA NO STF
Rezende foi um dos membros da comunidade acadêmica da área da saúde chamados a participar da audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início de agosto. O evento foi convocado pela ministra Rosa Weber, que é relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada na Corte pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) em defesa da legalização da interrupção até a 12ª semana.
O médico lembra que as sessões foram divididas em grupos de palestrantes, com os especialistas em saúde em um horário diferente dos ativistas e representantes religiosos:
— Dentro das sociedades profissionais, isso vinha sendo debatido antes da audiência pública. Das 12 entidades de saúde que participaram da nossa sessão, apenas duas eram contrárias à legalização. Mas muitos médicos ainda cogitam, pelo fato de o início do processo ser uma coisa criminosa, discriminar essas mulheres.
No comparativo entre 2017 e 2018, cresceu em um ponto percentual o grupo dos que acham que a mulher que pratica o aborto deve ser presa: passou de 57%, em novembro do ano passado, para 58%, agora. Já o dos que defendem que a mulher não deveria ser punida diminuiu de 36% em 2017 para 33% em 2018.
Além da audiência pública organizada pelo STF, neste mês o debate em torno da legalização do aborto foi alimentado pela votação do Congresso argentino. A medida de legalizar a interrupção da gravidez até a 14ª semana foi rejeitada pelo Senado do país vizinho por 38 votos contra e 31 a favor.