Correio braziliense, n. 20215, 25/09/2018. Política, p. 2

 

Polarização ofusca debate de propostas

Paulo Silva Pinto

25/09/2018

 

 

Ideias dos candidatos, inclusive sobre crescimento econômico, têm influenciado o eleitor menos que o esperado. Pesa mais a imagem de combater a corrupção, para alguns grupos, ou de garantir conquistas sociais, para outros

Na parede do comando da campanha de Bill Clinton se lia: “A economia, estúpido”. A frase explicava por que o democrata subia, apesar de o republicano George Bush, o pai, ter saído vitorioso da guerra do Iraque. O fato é que a evolução da renda nos Estados Unidos exibia números ruins naquela campanha presidencial de 1992.

Hoje, quando o Brasil se recupera lentamente da maior recessão da história, assuntos como crescimento econômico, impostos, previdência e desemprego tinham tudo para protagonizar as discussões. Mas não é o que se vê. “Esta eleição não é sobre economia”, explica o ex-diretor do Banco Central Alexandre Shwartsman. “A palavra-chave da disputa hoje é corrupção. Por isso, quem lidera é um outsider da política”, completa ele, em referência ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro.

A análise do cientista político Geraldo Tadeu, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vai na mesma linha. “Mesmo que a economia estivesse muito bem, haveria problema pela ligação dos candidatos com o governo Temer. Pesa muito a corrupção como referencial”, explica.

Para Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Polícia da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), a economia deverá ter destaque maior no segundo turno. “Na nova etapa, os candidatos deverão ter de apresentar as possíveis escolhas para o cargo de ministro da Fazenda. A capacidade de gestão econômica de um candidato importa em todas as eleições presidenciais. Mas nessa, de fato tem um peso um pouco menor do que se imaginava antes”, diz.

O professor da UnB explica que todos os temas tradicionalmente tratados em campanhas, incluindo saúde e educação, estão ofuscados, neste primeiro turno, pela polarização política. “Minha hipótese é que três fatores contam hoje, para grupos diferentes de pessoas. O primeiro é a busca pela novidade, com rejeição da corrupção e dos partidos tradicionais. Outra é a preocupação com direitos sociais e a solidariedade com minorias. A terceira, é a dimensão redistributiva, incluindo o Bolsa Família”, elenca. Bolsonaro é forte no primeiro aspecto. O petista Fernando Haddad, no segundo e no terceiro. Por isso, eles lideram as pesquisas de intenção de voto. No levantamento divulgado ontem pelo Ibope, eles têm, respectivamente, 28% e 22% das intenções de votos.

Geraldo Alckmin, do PSDB, partido que apoiou o governo do presidente Michel Temer, e Henrique Meirelles (MDB), ex-ministro da Fazenda, são os candidatos que pretendiam apostar na percepção do eleitor de terem ajudado o país a sair da crise, e de que poderiam fazer o Produto Interno Bruto (PIB)  crescer de forma mais forte. Mas eles têm, respectivamente, apenas 8% e 2% das intenções de votos de acordo com o Ibope. Juntos, somam menos intenções de votos do que o terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), com 11%.

“Alckmin queria faturar com a melhora da economia, mas não consegue. O eleitor está indignado. É possível, ainda, que ele cresça, caso conquiste uma parcela do que hoje é o ‘não voto’ nas pesquisas”, analisa Tadeu. O “não voto”, para os cientistas políticos, é a parcela dos que hoje se declaram indecisos nas pesquisas, ou então, informam os entrevistadores que pretendem não participar da eleição ou anular a escolha na urna eletrônica.

A economia brasileira corre risco de encerar o ano com desempenho ainda pior do que em 2017, quando o PIB cresceu só 1%. Vêm se frustrando as expectativas de que o país sairia com força da crise. Mas o fato é que a situação não tem semelhança com o que se via há dois anos, que o país estava mergulhado na recessão. “O quadro estaria melhor com a reforma da Previdência. Mas não é por um ou dois pontos percentuais a menos no desemprego que a situação dos candidatos reformistas estaria melhor. O fato é que os candidatos reformistas não se viabilizaram”, destaca Schwartsman.

 

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TSE indefere 2.947 registros

Alessandra Azevedo

25/09/2018

 

 

De cada 10 registros para as eleições deste ano, um foi indeferido pela Justiça Eleitoral. No total, 2.947 políticos tiveram as candidaturas negadas, mas mais da metade deles continuam liberados para participar do pleito, por terem recorrido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Do total, 1.239 estão inaptos a concorrer e, portanto, não terão os nomes das urnas e nem podem fazer campanhas. Os outros 1.708 — 58%  — continuam na disputa até que o TSE analise os recursos. A Corte afirmou não ter data marcada para esses julgamentos.

Os números se referem a todos os cargos: presidente, governador, senador (e suplentes) e deputados federais, estaduais e distritais. Deputados estaduais e distritais lideram a lista de candidaturas indeferidas, com 1.796 registros negados — 1.663 estaduais e 133 distritais. Deles, 1.018 ainda estão aptos a concorrer por recurso.

Os motivos para a negativa da Justiça Eleitoral em registrar esses pleiteantes são variados. O mais comum é ausência de algum requisito de registro, o que ocorreu em 2.225 casos. Além desses, 339 foram impugnados e 185 foram cancelados pelos próprios partidos. Outros 174 registros foram negados por descumprimento à Lei da Ficha Limpa, dos quais 112 (64%) continuam concorrendo. Houve ainda 13 casos de abuso de poder,  cinco de gasto ilícito de recursos e três de compra de votos.

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A “guerra” familiar

Luiz Carlos Azedo

25/09/2018

 

 

A disputa eleitoral aprofundou as divisões no país, inclusive no âmbito familiar. Não há um ambiente que não tenha sido contaminado pelo discurso radical a favor ou contra os candidatos que lideram as pesquisas de opinião, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Os candidatos alternativos, principalmente Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), que disputavam uma vaga no segundo turno, com a polarização, entre o mar e o rochedo, estão virando marisco. De certa forma, a pregação do voto útil das lideranças está surtindo um efeito contrário junto aos eleitores, que começam a antecipar a disputa de segundo turno.

Se considerarmos as pesquisas de opinião, quem chegar a 36% de intenções de votos nas pesquisas pode muito bem ultrapassar os 50% mais um dos votos válidos apurados nas urnas e ganhar as eleições no dia 7 de outubro. Como já destacamos em coluna anterior, foi o que aconteceu nas eleições de 1994 e 1998, quando Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno. Desde então, o fenômeno não se repetiu, nem com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006), nem com a ex-presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014), mas pode ocorrer agora, se os candidatos do chamado centro democrático, entre os quais se inclui Ciro Gomes em razão da deriva de tucanos e marinistas em sua direção, continuarem se desidratando na velocidade das últimas semanas.

Na verdade, há um ajuste de contas ideológico no processo eleitoral, estimulado pelo clima emocional que tomou conta das discussões nas redes sociais. Esse processo está se dando de forma anabolizada em razão das redes montadas por Bolsonaro e Haddad, mas é inegável que já se generalizou a partir do endurecimento dos discursos de Ciro, Alckmin e até Marina contra ambos. Em todos os lugares, do botequim à padaria, do trabalho às reuniões familiares, surgem conflitos e discussões acirradas. É um Fla-Flu político com muitas caneladas e tentativas de gol com a mão. A chance de que isso deixe sequelas terríveis no cenário pós-eleitoral não é pequena, porque as tropas de assalto dos candidatos estão dispostas a matar ou morrer. Ao contrário dos políticos, que depois se entendem, as pessoas comuns esgarçam suas relações pessoais a ponto de deixarem de conversar.

Na verdade, há um embate de forças que estavam adormecidas desde a eleição de Tancredo Neves. Saudosistas do regime militar acreditam num projeto autoritário de resolução dos problemas nacionais. Renasceram das cinzas depois da reeleição de Dilma Rousseff e encontram ressonância num ambiente social desagregado, violento e sem esperanças. É um cenário muito parecido com o do plebiscito do desarmamento, no qual a “bancada da bala” derrotou toda a elite política e intelectual do país.  De outro, temos as forças derrotadas pelo impeachment de Dilma Rousseff, que não demonstraram poder de reação e foram derrotadas nas urnas em 2016, mas agora se reagruparam em razão do desgaste do governo Michel Temer e dos líderes do PSDB envolvidos em escândalos. O carisma do ex-presidente Lula, mesmo estando preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e a memória de seus últimos anos de governo, que registraram altas taxas de crescimento, provocaram uma espécie de efeito Fênix em favor do PT.

Dois Brasis

O problema é que, como em todas as guerras, a primeira vítima é a verdade sobre a situação real do país. Também não existe um projeto que seja capaz de reunificar a nação, profundamente dividida. O Brasil setentrional é vermelho, graças à aliança do PT com as velhas oligarquias nordestinas; o meridional é azul, em razão do descontentamento da classe média e dos setores ligados ao agronegócio. A eleição será decida pelos eleitores da região Sudeste, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. As pesquisas de opinião desta semana tendem a confirmar esse cenário.  O que pode funcionar como algodão entre os cristais nessa disputa são as instituições políticas e a federação. Embora os dois principais candidatos tenham características centralizadoras e defendam um presidencialismo vertical, há que se considerar que nenhum terá maioria de votos no Congresso, seja no Senado, seja na Câmara, nem controle sobre o Judiciário, Além disso, haverá o contraponto dos governadores eleitos, praticamente todos eles políticos de carreira, alguns dos quais em segundo mandato. São essas forças que poderão mitigar o radicalismo registrado no pleito.

Se a eleição for decidida no segundo turno, o que ainda é mais provável, haverá necessidade de os candidatos derivarem ao centro em busca de alianças e assumir compromisso com garantias e salvaguardas de caráter democrático. Será uma nova eleição, embora também polarizada, com a diferença de que Bolsonaro será beneficiado pela paridade de meios de comunicação e a recuperação da saúde, o que pode ter reflexo na sua campanha. Em contrapartida, caso se confirme a presença de Fernando Haddad no segundo turno, o candidato do PT tende a ter mais apoio entre as forças políticas. Na sociedade, porém, o ambiente belicoso deixará muitas sequelas, porque muitos não têm clareza de que a alternância de poder e o direito ao dissenso são pilares da democracia.