Correio braziliense, n. 20215, 25/09/2018. Opinião, p. 11

 

Contra o crime, mais ciência

Marcos Camargo

25/09/2018

 

 

O Brasil tem 730 mil detentos e a terceira maior população carcerária do mundo, atrás dos Estados Unidos e da China. Mesmo assim, por hora, ocorrem sete homicídios e em torno de sete estupros, segundo os dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Qual será, então, o problema que impede uma solução efetiva para a segurança pública e que deverá, obrigatoriamente, ser enfrentado pelo próximo presidente da República para que o país não entre em colapso total?

Apesar de prender bastante, o país não tem conseguido punir os responsáveis pelos crimes violentos e do colarinho branco. Os culpados por essas ocorrências, que dependem de investigação para serem solucionadas, só são identificados em menos de 10% dos casos. Temos, portanto, uma taxa de resolução de crimes pífia. Essa situação retroalimenta a impunidade e ajuda a explicar a alta ocorrência de assassinatos, crimes sexuais, feminicídios e casos de corrupção. É um cruel ciclo vicioso.

A maioria das prisões é feita nas situações de flagrante, que não precisam de investigação ou de aparato científico para identificar o autor. Por isso, a maior parte da população carcerária responde por roubos e furtos (37% do total de presos) e por tráfico de drogas (28%) — grupo formado, sobretudo, por integrantes rasos das organizações criminosas. Em contrapartida, só 11% dos presidiários respondem por homicídio. É preciso manter o rigor no combate a todo tipo de delito. Mas é urgente que o Brasil fortaleça a investigação científica como modo a atacar, na raiz, os crimes mais graves cometidos de forma violenta contra a integridade das pessoas.

Iniciativas recentes podem surtir bons resultados, como a criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que favorece o compartilhamento de informações entre as diferentes polícias. Outros progressos são o fim do foro privilegiado e a possibilidade de execução da prisão após condenação em segunda instância, impedindo os infindáveis recursos que só beneficiam réus em condições de custear um processo criminal extremamente caro e que buscam a prescrição da pena.

A despeito desses poucos avanços, a cultura de desprezo pelo uso da ciência no combate ao crime ainda ameaça manter o Brasil atrasado com relação à criminalidade, que se reinventa e se equipa de forma rápida. Um grande retrocesso está na proposta de reforma do Código de Processo Penal, que, na prática, torna opcional o emprego da prova científica nos processos criminais, permitindo o uso somente de testemunhos. Se aprovado, o texto resultará em grande desestimulo às buscas por evidências que levaram, por exemplo, à descoberta de provas materiais em diversas operações policiais, inclusive na Lava-Jato, e contribuíram para inúmeras condenações.

Outra situação grave é o descumprimento sistemático da Lei de Execução Penal, que determina a identificação por material genético de condenados por crimes hediondos e violentos. Hoje, menos de 2% dos condenados que deveriam ter sido identificados constam dos bancos de DNA. Ainda assim, esse parco material (pouco mais de 10 mil perfis genéticos) ajudou as polícias científicas a resolverem mais de 500 inquéritos que estavam pendentes. Vamos imaginar como seria, se a lei fosse cumprida e 100% estivessem identificados. O Reino Unido tem mais de 6 milhões de perfis genéticos nos bancos e tem taxa de resolução de homicídios superior a 90%.

O Sistema Nacional de Análise Balística (Sinab) é outro banco de dados que precisa ser discutido. Ele tem por base permitir a análise dos projéteis e dos estojos recolhidos no local do crime pela perícia oficial, podendo, assim, ajudar a solucionar crimes cometidos com armas de fogo. A criação de um padrão nacional de qualidade mínima para as imagens das câmeras de segurança também seria um grande avanço. Hoje, a qualidade média das imagens é muito ruim e pouco contribuem com as investigações. Por tudo isso, é possível afirmar que sem ciência e tecnologia, o crime não poderá ser desarticulado. O Brasil precisa, urgentemente, valorizar o conhecimento científico para superar a crise da violência.

» MARCOS CAMARGO

Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)