Título: Governo lista novas vítimas da ditadura
Autor: Amado, Guilherme
Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2012, Brasil, p. 6

O governo concluiu um estudo que propõe a inclusão de pelo menos 370 nomes na lista oficial de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar. Na prática, a mudança pode dobrar o número de pessoas que o Estado já reconheceu como vítimas da repressão política. Hoje, pelos critérios da Comissão da Anistia e da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, 457 pessoas estão nesse grupo. Desenvolvido pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), o trabalho examinou 858 mortes e desaparecimentos forçados ocorridos no campo e filtrou aqueles diretamente ligados à repressão. O relatório será apresentado hoje na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, pouco depois de a presidente Dilma Rousseff dar posse à Comissão Nacional da Verdade, no Palácio do Planalto.

O período analisado vai de 1961, o chamado pré-golpe, a 1988, na redemocratização. Entre os casos, 832 são de camponeses e 26 dos chamados apoiadores, principalmente padres e advogados. A análise da Secretaria de Direitos Humanos identificou que 370 desses casos são de sindicalistas ou lideranças de lutas coletivas, mortos ou desaparecidos em situações de repressão política. Foram excluídos aqueles em que não foram encontradas informações suficientes para caracterizar motivação política. De acordo com Gilney Viana, assessor da SDH responsável pelo estudo, a redação das leis 6.683/79 (Lei da Anistia) e 9.140/95 (Lei da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos) acabou considerando apenas as mortes em contexto urbano.

O assessor defende que, no campo, não existiam os tipos de provas que são exigidos para que alguém se adeque ao texto das leis, como um contrato de trabalho de alguém demitido por questões políticas, uma ficha no Dops ou a militância em um partido político. Outro problema é a obrigatoriedade de envolvimento de agentes estatais. Dos casos, apenas 15% foram diretamente associados a pessoas do Estado, como policiais, delegados ou integrantes das Forças Armadas. O restante esteve ligado a agentes privados, como pistoleiros, jagunços, grileiros, fazendeiros ou capatazes. "Tivemos que fazer uma grande ginástica para enquadrar casos como o do Chico Mendes. O fato é que a ditadura militar terceirizou a repressão no campo para os fazendeiros. Além disso, houve omissão do Estado diante das mortes e da Justiça por não dar prosseguimento aos processos", afirma.

A análise dos episódios mostra uma coincidência temporal nas mortes no campo. O período que mais concentra casos, com 44% dos nomes, é o de transição militar, de 1979, quando é aprovada a Lei da Anistia, até 1985, ano em que termina o último governo dos generais, de João Figueiredo. "A resistência urbana já havia sido exterminada, e o meio rural estava se reorganizando. A repressão foi redirecionada", avalia Gilney.

Também há uma coincidência espacial. Segundo o estudo, 55% dos casos se concentram em estados de fronteira agrícola, principalmente no Pará e no Maranhão, aqueles que foram incentivados pela ditadura a serem ocupados. "São estados em que, depois de ocupados, surgem questões sobre a posse da terra. Acobertado pelo Estado, o fazendeiro, por exemplo, vai lá e mata o posseiro", defende o assessor.

Revisão O objetivo da SDH é que os casos sejam analisados pelos integrantes da Comissão da Verdade, além das Comissões da Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos. "Muitas comissões da verdade, em outros países, propuseram reparações morais e materiais para camponeses ou índios", sugere Gilney. Não está descartada que seja proposta a revisão da legislação, para que esses nomes possam, por exemplo, ser contemplados com eventuais reparações materiais. Já houve mudanças na lei para que fossem reconhecidos oficialmente estudantes mortos e também pessoas que tenham sido vítimas de tortura e, mais tarde, tenham se suicidado.

Na lista, estão nomes como o de João Pedro Teixeira, líder dos trabalhadores rurais nordestinos e um dos fundadores das Ligas Camponesas, morto na Paraíba com cinco tiros por três homens armados com fuzil, em 2 de abril de 1962. Seu processo foi indeferido pela Comissão de Mortos e Desaparecidos por não ter sido encontrada "responsabilidade do Estado no episódio". O camponês teve sua vida mostrada no documentário Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho. Outro que consta da relação é o líder seringueiro Wilson Pinheiro, assassinado com um tiro na nunca, no Acre, em 21 de julho de 1980. Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasileia (AC), Wilson estava jurado de morte por latifundiários da agropecuária no estado.

"O fato é que a ditadura militar terceirizou a repressão no campo para os fazendeiros. Além disso, houve omissão do Estado diante das mortes e da Justiça por não dar prosseguimento aos processos"

Gilney Viana, assessor da SDH

Investigação

O Ministério Público Federal em Campos (RJ) instaurou ontem procedimento investigatório criminal para apurar denúncia de incineração de pelo menos dez corpos durante a ditadura militar, conforme relato do ex-delegado Cláudio Antonio Guerra, chefe do extinto Departamento de Ordem e Política Social (Dops). O ex-delegado narra no livro Memórias de uma guerra suja como os corpos de opositores do regime militar foram incinerados na Usina Cambaíba, em Campos. Na portaria que instaura o procedimento, o procurador da República Eduardo Santos de Oliveira pede que sejam expedidos ofícios à Comissão da Verdade e à Comissão Especial de Mortos Desaparecidos, requisitando informações e documentos relacionados ao caso.