O globo, n. 31061, 22/08/2018. Colunas, p. 6

 

Notícias de uma guerra particular

Bernardo Mello Franco

22/08/20018

 

 

Na corrida ao Planalto, três candidatos vão travar uma guerra particular. Marina Silva, Ciro Gomes e Fernando Haddad foram ministros do governo Lula. Agora, disputam o espólio do ex-presidente, que deve ser barrado pela Justiça Eleitoral.

De acordo com o Ibope, 37% dos brasileiros querem votar em Lula. No cenário sem o petista, o grupo se dispersa. Os três ex-ministros avançam, mas ninguém desponta como herdeiro natural do lulismo. O número de indecisos ou dispostos a anular salta para 38%.

Por enquanto, a mais beneficiada com a saída do expresidente é Marina. Na ausência de Lula, ela dobra sua intenção de votos. Pula de 6% para 12%, e assume a segunda posição na pesquisa. Ciro também herda uma parte do latifúndio lulista. Sem o ex-chefe, ele avança de 5% para 9%. Neste cenário, passa a ser visto como um candidato com chances de ir ao segundo turno.

O terceiro aspirante ao espólio é Haddad. No momento, ele aparece com apenas 4% das intenções de voto. Mas seu crescimento parece questão de tempo: falta se tornar conhecido como o candidato do PT.

A estratégia dos petistas é simples. Eles acreditam que os rivais ficarão empacados enquanto parte do eleitorado acreditar que Lula está no páreo. Por isso, valeria a pena esticar a disputa jurídica até o limite. Com isso, ficaria mais fácil transferir os votos para Haddad na reta final da campanha.

Ontem, Ciro e Marina criticaram a insistência na candidatura de Lula. Ela disse que a estratégia “fragiliza muito o processo de decisão dos eleitores”. Ele acusou o PT de “projetar uma fraude”. “Ficam agitando o nome do Lula para depois tentarem eleger uma pessoa que a população não conhece”, reclamou.

Parece que os dois acusaram o golpe.

“A função da imprensa tem um relevo antipático, quase hostil. Estou convencido de que os jornais existem para falar mal dos governos. A função da imprensa é a de interpelação, de questionamento” —Otavio Frias Filho (1957-2018).

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'Não adianta querer vestir Haddad de Lula'

Sérgio Roxo

22/08/2018

 

 

Para Jaques Wagner, é melhor que ex-prefeito seja diferente do líder do PT para mostrar ‘renovação’; governador da Bahia, Rui Costa, por sua vez, diz que ideia representada pelo ex-presidente, líder nas pesquisas, está simbolizada no número 13 do partido

No momento em que o PT discute formas de transferir votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para Fernando Haddad, o exministro Jaques Wagner afirmou que não adianta querer vestir o ex-prefeito de São Paulo de Lula “porque ele não é Lula”. No início de seu giro pelo Nordeste, principal reduto eleitoral do PT, Haddad afirmou que não está sendo apresentado à região porque já esteve várias vezes por lá como ministro da Educação.

Wagner também era cotado para ser vice na chapa presidencial petista e, consequentemente, ocupar o posto de candidato ao Palácio do Planalto se a Justiça Eleitoral confirmar a inelegibilidade de Lula com base na Lei da Ficha Limpa. Mas recusou a missão e preferiu disputar o Senado pela Bahia.

—Não adianta querer vesti-lo de Lula. Ele não é o Lula, como a Dilma não era. Cada um tem o seu jeito. As pessoas dizem: ‘Você seria melhor’ (como plano B). É que meu jeito é mais parecido (com o de Lula). Mas não sei se é bom ser igual. Acho bom que seja alguém diferente, que aposte na renovação. Nós não podemos ficar reféns de um jeito. A gente tem que defender uma ideia —disse Wagner

Pesquisa do Ibope divulgada na segunda-feira mostrou Lula à frente, com 37% das intenções de voto. No cenário sem ele, Jair Bolsonaro (PSL) lidera, e Haddad aparece em quinto, com 4%. Petistas acreditam que a transferência de votos se dará quando o ex-prefeito de São Paulo assumir formalmente a cabeça da chapa e for divulgado que ele é o candidato de Lula.

Para conseguir herdar os votos de seu padrinho político, Haddad precisará se popularizar no Nordeste.

AÇÃO POR IMPROBIDADE

Em entrevista na capital baiana, o ex-prefeito garantiu que conhece bem o Nordeste e que, como ministro da Educação, “não saía da região”, porque Lula pedia a seus auxiliares que rodassem o país:

— Não estou sendo apresentado ao Nordeste. A gente vinha trabalhar aqui.

Haddad foi questionado várias vezes sobre a sua estratégia para herdar os votos de Lula e se desdobrou para manter o discurso de que não é o candidato a presidente.

Também presente à entrevista, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), candidato à reeleição, deu a entender que o fato de Haddad disputar a eleição com o número 13 facilitará as coisas:

— A declaração de voto no Lula não é só na pessoa física, é no que ele representa. A ideia toda se consagra no 13.

A Justiça de São Paulo aceitou ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público contra Haddad relativa à construção de trecho de uma ciclovia na capital paulista quando ele era prefeito. A assessoria de Haddad afirmou que, no despacho, o juiz cita as medidas tomadas pelo ex-prefeito, via Controladoria Geral do Município, como argumento para afastar culpa ou dolo.

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'Aquele ali ao lado do Rui, como é mesmo o nome dele?'

Sérgio Roxo

22/08/2018

 

 

No início do giro pelo Nordeste, Haddad não é reconhecido em Salvador e é chamado de Andrade

Em campanha na Bahia, o vice petista, Fernando Haddad, não foi reconhecido pelos eleitores, que chegam a confundir seu nome. Em sua primeira agenda de rua no giro pelo Nordeste, iniciado ontem, o candidato a vice-presidente pelo PT, Fernando Haddad, enfrentou o desconhecimento de eleitores e praticamente não teve divulgado seu nome durante caminhada pelas ruas do bairro popular do Curuzu, em Salvador. Ao lado de Rui Costa, que disputa a reeleição ao governo baiano, e de Jaques Wagner, candidato ao Senado, Haddad se esforçou para criar empatia.

Vestiu camiseta com a imagem de Lula e chegou a prometer a um eleitor que o abordou a recriação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, pasta com estatuto de ministério extinta pelo presidente Michel Temer.

Ontem, durante o evento, foi executado apenas o jingle oficial, que não cita Haddad. Alguns simpatizantes pediram a liberdade de Lula. Também havia bandeiras de partidos e faixas de candidatos a deputado. Nenhuma propaganda mencionava o nome do vice. Ontem, o jornal “Valor” informou que Haddad tem sido chamado de “Andrade” por alguns baianos.

A manicure Rosana Fernandes Dantas, de 49 anos, aguardava ao lado de amigas a chegada dos políticos, próxima ao prédio do bloco de carnaval Ilê Ayê, ponto de encontro divulgado pelos organizadores.

—Não conheço, não _ respondeu, ao ser questionada se conhecia Haddad.

Ao ouvir a citação ao nome do candidato a vice, a desempregada Daniele Pereira, de 22 anos, perguntou:

—Qual o nome desse aí mesmo?

Ao ser informada que se tratava de Fernando Haddad, ela contou que soube da existência do ex-prefeito de São Paulo ao assistir, na véspera, a uma reportagem na televisão sobre a pesquisa do Ibope, na qual o candidato a vice aparece com 4%.

—Ele não está com uma boa porcentagem, não.

As duas amigas, porém, acreditam que Lula ainda poderá ser candidato e pretendem votar no ex-presidente. Se o líder petista for mesmo impedido de concorrer, admitem migrar para um substituto indicado por ele.

O vice de Lula era abordado em alguns momentos para selfies, mas o som alto do jingle da campanha do governador baiano, executado repetidamente com rápidos intervalos para a música da campanha presidencial, inviabilizava conversas com os eleitores.

No final do percurso, , o motorista Manoel de Jesus Moreira, 58 anos, acompanhava a passagem dos políticos da calçada e reconheceu saber pouco sobre Haddad.

—Aquele ali do lado do Rui? É o vice do Lula, né? Como é mesmo o nome dele?