O globo, n. 31061, 22/08/2018. Economia, p. 25

 

Governo quer extinguir carteira de trabalho em papel até 2020

Vinicius Sassine

22/08/2018

 

 

Projeto prevê que dados sejam digitalizados e façam parte do eSocial. Documento poderá ser emitido também pelos Correios, e Ministério do Trabalho arcará com custo de expedição

A carteira de trabalho em seus moldes tradicionais — uma caderneta em papel, com a capa azul, símbolo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — será extinta até 2020, segundo projeto em curso no governo do presidente Michel Temer. A cúpula do Ministério do Trabalho atua para que, nos próximos dois anos, a carteira deixe de existir em meio físico e seja digitalizada, a partir da inserção de dados no sistema do eSocial.

Reportagem do GLOBO publicada ontem revelou que o governo também preparava um plano para cobrar do trabalhador o pagamento pela emissão do documento. A carteira de trabalho é historicamente gratuita, desde a vigência da CLT, a partir da década de 1940. No entanto, o Ministério do Trabalho firmou um acordo pelo qual a emissão da carteira passará a ser feita pelos Correios, que cobrariam uma taxa pelo serviço prestado.

BANCO DE DADOS VIRTUAL

Depois da publicação da reportagem, o ministério recuou e informou que vai arcar com os custos relacionados à expedição da carteira, “por determinação do ministro Caio Vieira de Mello”. A nota chama esses custos de taxa de conveniência pela entrega do documento expedido pelos Correios. O ministério informou que o trabalhador também pode optar pela emissão do documento nos postos do Sine, gerências regionais e superintendências do Trabalho nos estados.

A decisão do ministro contradiz o que foi expresso no acordo de cooperação firmado no fim de julho. Pelo texto, as partes não fariam transferência de recursos financeiros entre elas. Além disso, o valor do serviço seria custeado pelos interessados na carteira. Dois pareceres de áreas técnicas do ministério, elaborados após a costura do acordo, expressavam a contrariedade com a cobrança. “A emissão da carteira de trabalho sempre foi e continuará a ser feita sem qualquer custo para o trabalhador”, sustenta a nota.

A gestão do atual ministro do Trabalho trabalha com a perspectiva de desaparecimento da carteira em meio físico. A ideia é que a vida laboral de empregados seja inserida num banco de dados virtual, mais especificamente no Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial). O eSocial foi criado com o propósito de unificar dados e desburocratizar a rotina das empresas. Em janeiro deste ano, empresas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões passaram a aderir ao sistema, com a sincronização de dados contábeis dos trabalhadores.

IMPEDITIVO LEGAL

O projeto enfrenta resistências no ministério, em razão do simbolismo da carteira de trabalho coma capa azul. Resistência semelhante ocorre em relaçãoà intenção de cobrança para emissão do documento. Neste caso, há impeditivos de ordem legal.

Dois pareceres técnicos elaborados no Ministério do Trabalho são contrários à cobrança. As notas foram elaboradas após o ministro Caio Mello; o secretário executivo, Admilson Moreira; e o presidente dos Correios, Carlos Fortner, firmarem o acordo de cooperação técnica. Primeiro, a área responsável pelas carteiras no ministério se manifestou contra, coma argumentação de que a gratuidade da carteira está prevista em lei, inclusive na CLT. Depois, diante da pressão do ministro e do secretário executivo, um novo parecer foi elaborado, como mesmo teor, desta vez subscrito por três áreas relacionadas a emprego no ministério.

A pasta trabalhava coma ideia de colocarem prática um projeto-piloto de emissão e cobrança pelos Correios já neste mês, em São Paulo. Istofoi descartado diante dos impeditivos legais e da resistência interna no ministério.