Título: Algo em comum
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Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2012, Mundo, p. 16

Horas depois de tomar posse como presidente da França, François Hollande vai ao encontro de Angela Merkel para amenizar as divergências entre crescimento e austeridade » Renata Tranches

Depois de enfrentar chuvas e raios, o socialista François Hollande encerrou seu primeiro (e longo) dia como presidente da França aparando arestas na vizinha Alemanha e garantindo que a parceria entre as duas locomotivas europeias seguirá forte, a despeito das diferenças entre seus líderes sobre como enfrentar a crise na Zona do Euro. No primeiro e mais aguardado encontro, Hollande e a chanceler (chefe de governo) alemã, Angela Merkel, trocaram o tom de confronto das declarações recentes pelo da conciliação, realçando os "pontos em comum" entre suas ideias. Enquanto a alemã, uma política conservadora, defende a política de austeridade, o francês, que é socialista, insiste que o bloco e seu país necessitam de estímulos ao desenvolvimento.

Hollande chegou a Berlim com uma hora de atraso, depois de uma viagem conturbada pelo clima adverso que marcou a transmissão do poder em Paris. Depois de ter enfrentado chuva quando desfilava em carro aberto na Avenida Champs Elysées e enquanto cumprimentava os cidadãos, de manhã, o novo presidente passou por um susto no fim da tarde, quando embarcou para a capital alemã. O avião foi atingido por um raio e a comitiva teve de retornar à capital francesa para trocar de aparelho.

No fim do "jantar de trabalho", os dois governantes se apresentaram desanuviados para uma coletiva de imprensa na sede da Chancelaria. Hollande obteve da anfitriã a promessa de que estudará medidas suplementares a favor do crescimento, inclusive da Grécia, e continuará discutindo os pontos de vista divergentes sobre o tratamento da crise.

"O crescimento é um conceito geral que pode se referir a distintos tipos de medidas", ponderou Merkel. Hollande, agora no comando de uma potência nuclear que é a quinta economia do mundo, reiterou o desejo de renegociar o pacto fiscal europeu para incluir políticas de crescimento e defendeu a ideia de "abrir uma nova via na Europa". Conseguiu de Merkel um posicionamento favorável, porém cauteloso. A chanceler reiterou a necessidade de evitar novas espirais de endividamento. O apoio mais decidido veio do outro lado do Atlântico. O secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, cumprimentou o líder e deu "boas-vindas a esse novo debate (sobre o crescimento) na Europa".

Era da sobriedade

Hollande assumiu o cargo em uma solenidade rápida e sóbria, no Palácio do Eliseu, com 400 convidados. Acompanhado dos guardas republicanos, o ex-presidente Nicolas Sarkozy recebeu o sucessor nas escadas do palácio. Os dois se reuniram no gabinete por 40 minutos. Carla Bruni, por sua vez, recepcionou a nova primeira-dama, Valérie Trierweiler. Mas, se dentro do Eliseu o clima foi solene, o mesmo não se pode dizer do que ocorria do lado de fora, onde partidários do ex-presidente e de seu sucessor se enfrentaram aos gritos. Ambos munidos de bandeiras francesas, um lado entoava a frase "Obrigado, Nicolas" e o outro respondia com "Adeus, Nicolas".

Em seu primeiro discurso, o presidente socialista reafirmou que vai tentar alterar o pacto europeu para incluir medidas de incentivo ao crescimento entre as políticas de redução de deficit. Hollande prometeu também um mandato "digno, simples e sóbrio", além de respeito às funções do parlamento. "Vou estabelecer as prioridades, mas não vou decidir por todos, a respeito de tudo e em todos os lugares", disse Hollande. Na avaliação do cientista político Stéphane Monclaire, da Universidade de Paris - Sorbonne, foi uma ruptura com o hiperativismo de Sar-kozy, considerado por alguns como excessivamente impulsivo e controlador. "É um rompimento da imagem de um presidente que era o líder dos próprios eleitores. Hollande multiplicou os gestos do "presidente de todos os franceses"", afirmou Monclaire ao Correio. "Isso, com certeza, dará muita popularidade a ele."

Cidadão Sarkozy Nem a chuva que caiu sobre Paris retardou os planos do ex-presidente de tornar-se a partir de ontem "um francês como todos os demais", como ele próprio anunciara na noite da derrota eleitoral. Depois de passar o cargo para o sucessor, Nicolas Sarkozy trocou o terno pelos trajes esportivos e saiu para uma corrida. A única lembrança de que não se tratava de um cidadão comum eram os seguranças que o acompanhavam, como reza o protocolo da República.