O globo, n. 31060, 21/08/2018. País, p. 11

 

10% recorrem ao STF contra fim do foro privilegiado

André de Souza

Carolina Brígido

21/08/2018

 

 

De 214 processos contra políticos enviados do Supremo para instâncias inferiores, em só 22 casos foram apresentados recursos

Três meses depois da histórica decisão do Supremo Tribunal Federal de restringir o foro privilegiado dos parlamentares —a regra vale apenas para os crimes cometidos durante os mandatos, e apenas para aqueles que têm relação com atividade política—a corte mandou ao menos 214 inquéritos, ações penais e petições para instâncias inferiores.

Uma análise sobre esses casos revela que, até agora, os advogados recorreram em apenas 22 processos. Em boa parte, os pedidos nem foram para manter a investigação no STF, mas para encaminhá-la a outro juiz ou tribunal, ou simplesmente para arquivar o processo, sem necessidade de transferência para outra instância.

Dos 22 recursos apresentados até a última sexta-feira pelos advogados contra a decisão de retirar processos do STF, apenas três solicitam a continuidade da investigação na Corte. Outros seis pedem o arquivamento, cinco querem mandar os processos para outro juiz ou tribunal, e dois envolvem questões processuais. Em seis não foi possível descobrir o teor do pedido.

Os deputados com mais recursos foram Clarissa Garotinho (PROS-RJ), que pediu o arquivamento de três processos, e Valdir Rossoni (PSDB-PR), solicitando que três inquéritos enviados para varas criminais de Curitiba sejam encaminhados para o Tribunal de Justiça do Paraná. Os números ficam pouco acima dos recursos da própria Procuradoria-Geral da República (PGR), que contestou apenas 16 decisões do STF de mandar baixar processos para instâncias inferiores.

Os campeões em processos baixados para outras instâncias têm em comum o fato de não terem recorrido em nenhum momento.

É o caso dos deputados Roberto Góes (PDT-AP), com sete ações penais e seis inquéritos; Zeca do PT (MS), com duas ações penais e sete inquéritos; Zeca Cavalcanti (PTB-PE), com oito inquéritos; e Alfredo Kaefer (PP-PR), com sete inquéritos. Nesses casos, houve um recurso da PGR em um dos inquéritos de Góes. O advogado de Zeca do PT, Newley Amarilla, disse que os processos contra seu cliente foram abertos na primeira instância e, depois, transferidos para o STF. Ele disse que é melhor que os processos sejam analisados pelo juiz de primeira instância, que acompanhou as investigações do início.

O deputado Zeca Cavalcanti não quis comentar a estratégia de sua defesa. Mas não se incomodou com a mudança de foro: —Para mim, tanto faz. O deputado Alfredo Kaefer lembrou que seus processos são todos referentes a fatos sobre sua vida de empresário, e não de político. Disse que sempre foi contra o foro privilegiado – portanto, não poderia recorrer da decisão do STF de mudar o foro de seus processos.

— É um benefício que estava posto para uma classe diferenciada, para os políticos. E, perante a Justiça, o tratamento tem que ser igual para todos. Se um cidadão é processado na primeira instância, um deputado também tem que ser.

Kaefer admite, no entanto, que ser processado no STF é mais vantajoso.

— O benefício do foro especial era a morosidade. Um processo leva anos para ser julgado no STF. Na primeira instância é mais rápido.

EFEITO SUSPENSIVO

Na maioria dos casos, os recursos dos investigados não foram julgados pelo STF, o que não impediu, em parte deles, que os processos já fossem transferidos para instâncias inferiores. Isso porque, conforme destacou o ministro Alexandre de Moares em algumas decisões, os recursos não têm efeito suspensivo. Em alguns casos, os recursos já foram analisados e negados.

Os 214 processos baixados, com recurso ou não, incluem 37 ações penais, 167 inquéritos e mais dez casos que estão num estágio menos avançado de investigação. A decisão tomada em maio pelo STF valia só para parlamentares. Depois, a regra foi estendida a outras autoridades. Até então, qualquer processo de pessoas com foro privilegiado deveria permanecer no STF.

Para cinco ministros do STF ouvidos pelo GLOBO, os recursos apresentados indicam que, para os investigados, trocar o foro privilegiado por outras instâncias pode ser vantajoso. Um dos motivos é que, com um processo em instância inferior, em caso de condenação, o réu pode recorrer a outros tribunais até chegar, de novo, ao STF. Com um percurso judicial mais longo, a chance de reverter uma condenação é maior.

Para o ministro Dias Toffoli, que vai presidir a Corte a partir de 13 de setembro, o baixo número de recursos mostra que não era verdadeira a premissa de que o foro privilegiado era sinônimo de impunidade.

Já Marco Aurélio Mello diz que “é preferível percorrer os patamares do Judiciário do que ter uma decisão única, porque há possibilidade de rever a decisão”.