O globo, n. 31060, 21/08/2018. País, p. 12

 

Roraima quer barreira sanitária na fronteira

Marcelo Marques

21/08/2018

 

 

Governo federal descarta o fechamento da divisa entre Brasil e Venezuela, como querem a governadora do estado, Suely Campos, e o procurador-geral, Ernani Batista; região recebe homens da Força Nacional e comitiva de vários ministérios

Agentes da Força Nacional chegaram ontem à cidade de Pacaraima (Roraima), na fronteira com a Venezuela. O contingente de 60 homens, metade do prometido pelo governo federal, chegou para auxiliar no combate ao tráfico de drogas e armas e para regular a entrada de refugiados venezuelanos. A decisão foi tomada após brasileiros queimarem e destruírem barracas e pertences de cerca de 700 imigrantes abrigados em calçadas e terrenos baldios da cidade. Após os episódios de violência, 1.200 imigrantes daquele país foram obrigados a deixar Pacaraima. O governo do estado pediu o fechamento temporário da fronteira e a criação de uma barreira sanitária, que atenderia a brasileiros e venezuelanos e impediria a propagação de doenças.

A governadora de Roraima, Suely Campos (PP), afirmou que já havia solicitado no ano passado as medidas anunciadas pelo Governo Federal, como a expedição de decreto para Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Suely diz que alertou o presidente Temer acerca do clima de tensão em Pacaraima em ofícios enviados em agosto de 2017.

Além dos agentes da Força Nacional, o Governo Federal decidiu enviar 36 profissionais de saúde e criar um abrigo fora de Pacaraima, a caminho da capital do estado, Boa Vista. Ontem, uma comitiva de representantes de nove ministérios embarcou para Roraima para avaliar a situação. Técnicos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e dos ministérios da Defesa, Relações Exteriores, Justiça, Direitos Humanos, Casa Civil, Desenvolvimento Social, Ciência e Tecnologia e Segurança Pública fazem parte da comitiva.

O ministro do GSI, general Sérgio Etchegoyen, condenou a ideia de fechamento da fronteira.

— É impensável porque é ilegal. Nós temos que cumprir a lei. A lei brasileira de imigração determina o acolhimento de refugiados e imigrantes nessa situação, além de ser uma solução que não ajuda em nada a questão humanitária —afirmou ele.

A situação dos refugiados em Roraima, que já passaram dos 40 mil, é motivo de atrito entre os governos federal e estadual desde o início do ano. O procurador-geral de Roraima, Ernani Batista, disse ontem que o estado ingressou com uma ação no STF solicitando que cotas de refugiados venezuelanos sejam distribuídas para outros estados, além de pedir a suspensão temporária da imigração na fronteira. O procuradorgeral também culpou o presidente Michel Temer por agir “de forma desrespeitosa e com provocação política ao governo estadual”.

— O estado de Roraima tem sido sempre solidário com os venezuelanos. Agora, precisamos que os demais sejam protagonistas desse acolhimento para imigrantes, de forma humanitária ou em outras vertentes — explicou Batista em coletiva.

O procurador-geral afirmou ainda que o presidente Michel Temer (MDB) estaria desrespeitando a Constituição Federal.

— Qual a motivação política dele para agir dessa forma? Todos os organismos do Governo Federal deveriam ser ativos e cumprir a lei. Quando o presidente se arvora no cenário político, cabe interpelação a ele.

Segundo Batista, Temer alega que não pode fechar a fronteira por questões de tratados internacionais.

—Mas pela Força de Tratados tem de se manter solidariedade (com Roraima), os direitos humanos, independentemente de nacionalidade. É lamentável essa manifestação (do presidente) e essa provocação política.

Os comentários do procurador-geral estão relacionados à informação de Brasília de que a crise imigratória na fronteira de Roraima com a Venezuela tenha como pano de fundo para a reeleição da governadora de Roraima, Suely Campos (PP).

ÊXODO DE DOIS MILHÕES

A crise na Venezuela fez com que uma porção considerável da população do país emigrasse para nações vizinhas. De acordo com a ONU, 2,3 milhões de pessoas fizeram esse êxodo desde 2015, a maioria partindo para Colômbia, Peru, Equador, Chile e Brasil.