O globo, n. 31060, 21/08/2018. Economia, p. 19

 

VENEZUELA TROCA MOEDA

Janaína Figueiredo

21/08/20018

 

 

 Recorte capturado

Bolívar tem desvalorização de 95%. Salário mínimo será reajustado em 3.400%

Em uma tentativa de conter a hiperinflação, prevista para atingir 1.000.000% este ano, o governo da Venezuela pôs ontem em circulação uma nova moeda, o bolívar soberano — com cinco zeros a menos que seu antecessor, o bolívar forte. Também foi feita uma desvalorização radical do câmbio: 95%. Lojas e bancos ficaram fechados, e a oposição convocou uma greve geral para hoje. Já o governo convocou uma marcha de apoio às medidas.

O novo bolívar será atrelado à criptomoeda Petro, lançada pelo governo de Nicolás Maduro em fevereiro. O valor do Petro foi fixado em US$ 60, ou 3.600 bolívares soberanos. O Petro, no entanto, não é negociado nas plataformas de moedas digitais.

A entrada em vigor das medidas fez o dólar disparar no mercado paralelo, atingindo 15 milhões de bolívares fortes (a moeda antiga), cerca do dobro do valor observado na semana passada. Devido à hiperinflação, os venezuelanos vinham sendo obrigados a carregar pilhas de notas para comprar itens do dia a dia. Um quilo de tomate, por exemplo, saía por 5 milhões de bolívares fortes.

A maior nota, agora, será de 500 bolívares, o equivalente a 50 milhões na moeda antiga. No câmbio paralelo, é o equivalente a cerca de US$ 8, segundo o jornal britânico “Financial Times”.

Lojas e bancos ficaram fechados. No fim da tarde, os sistemas bancários voltaram a operar, já mostrando os saldos na nova moeda. A população correu aos caixas automáticos — mas estes só permitiam sacar 10 bolívares soberanos. O jornal venezuelano “El Nacional” citou um tuíte do jornalista Eugenio Martínez: “Saque máximo do caixa eletrônico 10 Bs. Um café + um doce 72 Bs.”

Nos últimos dias, à espera das medidas, os venezuelanos estocaram comida.

PREÇOS AINDA PODEM SUBIR

Outra medida do governo é o reajuste do salário mínimo a partir de 1º de setembro, em torno de 3.400%. Ele valerá meio Petro, ou 1.800 bolívares —cerca de US$ 28. Hoje, está em menos de US$ 1. Os empresários dizem que não conseguirão pagar. Maduro, porém, afirmou que, durante 90 dias, o governo assumirá a diferença para as pequenas e médias empresas.

O governo prometeu ainda levar os preços dos combustíveis a níveis internacionais, com subsídios para cadastrar seu veículo em um censo que está sendo feito. Na Venezuela, a gasolina sai praticamente de graça. Com um dólar trocado no mercado paralelo, é possível comprar cerca de 7 milhões de litros do combustível —mas apenas 1,5 litro de Coca-Cola. O baixíssimo preço estimula o contrabando para os países vizinhos.

O economista Henkel Garcia, diretor da Econométrica, acha que, com o salto do salário mínimo, Maduro abriu as portas para a falência em massa de empresas e a eliminação de postos de trabalho. Sem falar do impacto nos preços. A Econométrica, que estimava uma inflação anual entre 400.000% e 1.000.000%, já projeta até 1.600.000%. A queda do PIB pode passar de 14% para 20%.

Maduro disse que hoje sairá uma lista de “preços justos”. E conclamou a população a “defender o reequilíbrio dos preços nas ruas”. Segundo o presidente, “é preciso garantir” que a cesta básica custe menos que meio Petro. Mas o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) passou de 12% para 16%.

Em mensagem enviada a colegas, o jornalista Miguel Henrique Otero, dono e diretor do jornal “El Nacional”, no exílio, afirmou: “As pessoas e famílias não sabem qual será seu destino. Existe uma sensação generalizada de abandono e de viver num país à beira do abismo”.

Francisco Faraco, economista e diretor da consultoria Faraco e Associados, resumiu de forma ácida as medidas econômicas de Maduro:

— Estão maquiando o morto.

Para o governo brasileiro, as medidas não afetarão nosso mercado. Mesmo assim, diz acompanhar de perto os desdobramentos na Venezuela.