O globo, n. 31058, 19/08/2018. País, p. 4

 

TRAGÉDIA JUVENIL

Renata Mariz

Frederico Lima

19/08/2018

 

 

A cada 8 dias, um infrator apreendido morre no Brasil

Assustada ao saber que o filho de 16 anos, apreendido por roubo de celular, tinha discutido com o companheiro de alojamento numa unidade para jovens infratores do Distrito Federal, Karina Aparecida dos Santos Rabelo conta que só se tranquilizou após ser informada pelos funcionários que o garoto, em breve, seria trocado de local. Ao final da visita, numa quarta-feira do mês passado, a mulher repetiu o que vinha martelando nos últimos dois anos, desde que o menino começou a usar drogas.

— Eu disse para ele: meu filho, eu louvo a Deus o fato de você estar aqui, não é por maldade, mas para você poder refletir. Aqui eu sei que você não está na rua, aqui você está seguro. Era o que eu pensava —diz Karina, de 42 anos, com lágrimas nos olhos.

Horas depois do fim da visita, o garoto foi enforcado pelo colega de quarto até morrer. A esperança de ver o filho melhorar com a internação se transformou em desespero. O menino faz parte de uma tragédia recorrente no Brasil. Em 2018, um adolescente morreu a cada oito dias, em média, dentro de unidades socioeducativas, segundo levantamento feito pelo GLOBO. Foram 26 mortes somente nos primeiros sete meses do ano, seguindo tendência verificada em 2017, quando houve 42 vítimas, o equivalente também a uma ocorrência a cada oito dias. Cerca de 54% das mortes deste ano foram classificadas como homicídios, 3,8% como suicídios e há 42,3% ainda a esclarecer. A maioria dos assassinatos ocorre, segundo os dados oficiais, em “conflitos”, como motins ou brigas. Facções começam a proliferar nesses estabelecimentos, sobretudo no Nordeste.

Para Acassio de Souza, representante da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), o quadro atual é resultado da incapacidade de os estados estabelecerem programas e rotinas de fato socioeducativas. A estimativa é que hoje cerca de 25 mil adolescentes estejam em privação de liberdade.

— O Estado é responsável por garantir a vida e a integridade física de todos os adolescentes que estão sob sua custódia. A incapacidade de enfrentar o ingresso das facções no sistema socioeducativo não pode ser álibi para o poder público se desresponsabilizar —diz. Ele afirma que a taxa de mortes no sistema socioeducativo (14,3 por 10 mil internos) é maior que no sistema prisional (8,4 por 10 mil presos), segundo dados oficiais de 2016, os mais recentes. As péssimas condições das unidades para menores já fizeram do Brasil alvo de medidas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e levaram o Ministério Público Federal (MPF) a acionar governos estaduais, como o Ceará, onde sete jovens morreram desde novembro.

— O sistema está em desacordo com a lei, com problemas estruturais, violações de direitos de toda ordem — diz a procuradora do MPF Deborah Duprat. Os números levantados pelo GLOBO apontam que há superlotação em pelo menos 12 estados. Quatro unidades da federação, entre elas o Rio de Janeiro, não repassaram dados sobre a ocupação do sistema. Além da falta de vagas, os centros de recuperação exibem outros problemas típicos das prisões brasileiras, como deficit de servidores, denúncias de violência, falta de assistência básica em educação e saúde.

ESTRUTURA DE PRISÃO

Até mesmo em centros considerados modelo, a estrutura é típica de prisão. Numa unidade na periferia de Brasília, atrás de uma grossa grade azul, roupas penduradas num varal e água armazenada numa garrafa pet, o garoto de 16 anos conta o que o levou até lá: assalto a casa de “um polícia civil”. A série de roubos começou aos 13, quando experimentou maconha e rohypnol, um tranquilizante usado com bebida alcoólica:

— Dava vontade de fumar maconha, eu não tinha dinheiro e ia roubar. O promotor de Justiça Márcio Costa de Almeida, que cuida da execução de medidas socioeducativas em Brasília, diz que a presença de grades, muitas vezes, é necessária nos estabelecimentos. O que faz falta, diz, são condições adequadas e projetos pedagógicos consistentes:

— Tem que ter colchão bom, tem que ter uma escola boa lá dentro, profissionais motivados. Só assim você consegue, além da ressocialização, distensionar o ambiente para evitar, inclusive, as mortes. *Estagiário sob supervisão de Guilherme Evelin.

O QUE PENSAM OS PRESIDENCIÁVEIS

Lula (PT)*

Defende que o governo assuma “papel mais preponderante na execução de políticas na área”, ampliando recursos. É contra a redução da maioridade penal. (*Inelegível pela Lei da Ficha Limpa, Lula será julgado pelo TSE)

Jair Bolsonaro (PSL)

Não respondeu às perguntas do GLOBO sobre propostas para a área. Já se manifestou favorável à redução da maioridade penal, tendo apresentado proposta na Câmara sobre o assunto.

Marina Silva (Rede)

Não respondeu às perguntas do GLOBO. Disse recentemente, nas redes sociais, que os jovens devem ter oportunidade de estudar para evitar os caminhos do crime. É contra a redução da maioridade penal.

Ciro Gomes (PDT)

Não respondeu às perguntas do GLOBO. Em entrevistas, afirmou que acompanha debate sobre agravar medidas socioeducativas para reincidentes. Disse que redução da maioridade “parece equivocada”.

Geraldo Alckmin (PSDB)

Quer a União “como protagonista" para definir formas de apoio e fixação de metas no sistema. Não se posiciona sobre redução da maioridade. Quer ampliar o prazo máximo de internação de três para oito anos.

Alvaro Dias (Podemos)

Propõe investimento em educação, como escola de tempo integral, para jovens em situação de vulnerabilidade. É autor de proposta para reduzir a maioridade penal como forma de diminuir a criminalidade.