O Estado de São Paulo, n. 45561, 15/07/2018. Notas e informações, p. A3

 

Aberração e acinte

15/07/2018

 

 

Ao aprovar a medida provisória que estabelece o preço mínimo para o frete rodoviário em todo o território nacional, o Congresso acrescentou, a uma aberração da economia de mercado promovida pelo Executivo, um acinte à ordem jurídica e ao direito de livre locomoção de pessoas e bens. Injustificável por introduzir o tabelamento do preço de um item essencial nos custos do setor produtivo – e, portanto, na inflação –, a Medida Provisória n.º 832, assinada pelo presidente Michel Temer no auge da irresponsável greve dos caminhoneiros que paralisou o País, teve acrescentada às distorções que naturalmente produziria no funcionamento da economia a anistia das multas e outras sanções aplicadas com base no Código de Trânsito Brasileiro e referendadas pela Justiça.

Mesmo tendo causado tantos danos aos cidadãos brasileiros e à economia nacional durante os 11 dias em que obstruíram estradas e impediram a distribuição de todos os tipos de produtos, inclusive remédios e alimentos, os grevistas serão beneficiados por um tabelamento que lhes assegurará automaticamente o preço pelo qual teriam de batalhar caso fosse mantido o regime de concorrência no setor em que operam. E serão premiados com a suspensão das sanções que com justiça lhes foram impostas, caso o Executivo não vete essa vergonhosa artimanha de impunidade.

O País paga um preço altíssimo pelas consequências da criminosa greve realizada pelos caminhoneiros na segunda quinzena de maio. Articulado por meio de redes sociais, o movimento dos caminhoneiros alcançou quase imediatamente dimensão nacional, razão pela qual afetou a vida das pessoas em todas as regiões.

A interrupção da circulação de veículos em importantes eixos rodoviários prejudicou duramente diferentes setores industriais, privados temporariamente de matérias-primas, insumos e componentes essenciais para suas operações. O comércio deixou de ser abastecido, tanto pelo fechamento das estradas como pela interrupção das atividades de seus fornecedores. A mesa do brasileiro ficou privada de itens como os produtos hortifrutigranjeiros. Hospitais tiveram de suspender atividades por falta de medicamentos e insumos.

Os indicadores da atividade econômica já conhecidos não deixam dúvida quanto ao tamanho do impacto da greve dos caminhoneiros. A indústria, que ensaiava uma recuperação nos primeiros meses do ano, teve forte queda de produção em maio. A de São Paulo, em particular, a mais importante do País, registrou naquele mês a maior redução da produção em relação ao mês anterior desde a crise de 2008. As principais instituições financeiras e o próprio governo reviram para baixo suas projeções para o crescimento da economia, o que em boa parte se deve à greve dos caminhoneiros (as incertezas políticas também afetam as projeções).

Era previsível que a greve teria efeito danoso sobre a economia, mas o governo não utilizou com a necessária energia as competências que a lei lhe assegura em situações desse tipo. Ao contrário, aceitou imposições dos grevistas, limitou-se a aplicar multas nos casos extremos e concordou em estabelecer um inaceitável tabelamento do frete.

A MP 832 institui a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, com o objetivo de “promover condições mínimas para a realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar adequada retribuição ao serviço prestado”. Num confuso arrazoado com que tentou justificar a MP, o governo reconheceu que a livre concorrência é um princípio inscrito na Constituição, mas argumentou que “a situação atípica” – isto é, a greve dos caminhoneiros e suas consequências – justificava o uso do dispositivo “excepcional” para atenuar distorções no setor.

As multas somam mais de R$ 700 milhões e foram aplicadas por decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas o Congresso decidiu perdoá-las. Tendo errado ao propor o tabelamento, o governo Temer precisa vetar essa anistia para não errar também nesse assunto.