Título: Dilma cobra verdade sem ódio
Autor: Braga, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 17/05/2012, Política, p. 6

Em discurso emocionado e com ex-presidentes na plateia, petista anuncia o início dos trabalhos da comissão que investigará tortura entre 1946 e 1988 » JULIANA BRAGA

Com um discurso emocionado e incisivo, a presidente Dilma Rousseff instalou na manhã de ontem a Comissão da Verdade, que será responsável por investigar violações aos direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, com ênfase no regime militar. Na cerimônia, prestigiada por todos os ex-presidentes vivos do período democrático, Dilma disse que a verdade "não morre porque foi escondida" e ressaltou que a comissão é uma iniciativa de Estado, não de governo. A presidente chegou a se emocionar durante o discurso e foi aplaudida de pé.

Com a voz embargada, a presidente afirmou que não existe história sem voz. "É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la", destacou. Antes, precisou interromper o discurso devido à emoção, ao dizer que "merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia".

Dilma também fez questão de frisar que a comissão não será revanchista. "Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos movem o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições", afirmou.

Durante a cerimônia, foram empossados os sete membros que, nos próximos três anos, terão a tarefa de investigar as violações cometidas durante a ditadura. O grupo, formado por homens e mulheres escolhidos pela presidente, escreverá um relatório e caberá ao Ministério Público ou o Judiciário decidir sobre eventuais processos.

Transição O evento foi prestigiado por todos os ex-presidentes vivos do período democrático. Sentaram-se, lado a lado, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney. A presidente fez questão de marcar a ausência do ex-presidente Itamar Franco, que morreu no ano passado e de Tancredo Neves, que, segundo ela, "soube costurar, com paciência, competência e obstinação, a transição do autoritarismo para a democracia que hoje usufruímos".

Fernando Henrique se esquivou da polêmica sobre a punição dos crimes que serão investigados. "A comissão tem que revelar a memória. Isso vai pouco a pouco. O país vai aceitando pouco a pouco, progressivamente, que chegou o momento de olhar, faz tanto tempo, não dá para ficar fatos ainda escondidos, temos que revelar tudo. E essa revelação não tem como objetivo por ninguém na cadeia, tem como objetivo impedir que se repitam fatos como os que ocorreram", pontuou.

Lula exaltou a comissão e lembrou que a versão brasileira foi a única surgida de baixo para cima. "Foi um pacto estupendo que a sociedade brasileira fez na conquista da democracia", disse. "Foi uma coisa surgida do povo para o povo", completou. Collor também elogiou o nascimento da comissão. "É de uma importância transcendental porque o Brasil se encontra consigo neste momento em que é dada a oportunidade de a verdade vir à tona", frisou.

"É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz" Dilma Rousseff, presidente da República

Cinco perguntas para Maria Rita Kehl — Integrante da Comissão da Verdade

A senhora acredita que os crimes cometidos de ambos os lados devem ser apurados na comissão? Investigação dos dois lados não faz sentido. Eu aceitei participar da Comissão da Verdade nos termos que a presidente colocou, sem possibilidade de revogação da Lei de Anistia. Essa lei foi um passo importante para o Brasil e é válida para os dois lados. A comissão apenas quer trazer à luz o que ainda está oculto desse período, que foi muito violento.

Os crimes de agentes do Estado durante a ditadura seriam contemplados pela Lei de Anistia? Em caso de sequestro com desaparecimento de corpo, o crime permanece, mas isso não é opinião minha, o Ministério Público já decidiu isso. Tem crimes que, enquanto não tiver informação sobre eles, são crimes permanentes e então, para isso, não tem o que anistiar. Não se anistia crimes que ainda estão acontecendo. Pode até acontecer de, quando a comissão descobrir o que ocorreu nesses crimes, o capítulo se encerrar ali.

A ministra Maria do Rosário disse ao Correio que as apurações podem servir de base para processos criminais. Como a senhora vê isso? A missão da comissão é a apuração. É até aí que eu vou. Se depois outros ministros, de outras alçadas, decidirem algo diferente, isso já não é da minha competência.

A punição seria um instrumento pedagógico importante ou somente apurar os fatos já cumpre esse papel? Isso só saberemos quando tivermos apurado alguma coisa e vermos que efeitos isso vai ter sobre a sociedade. A presidente Dilma nos submeteu a essa condição: a Lei de Anistia não vai ser revista. Quando aceitei essa condição, não adianta eu achar isso ou aquilo. Essa foi a condição possível.

Militares consideraram o discurso da presidente duro e com provocação em algumas palavras... Provocação? Dar nomes aos bois é provocação? Nada disso, ela foi maravilhosa.