O globo, n. 31054, 15/08/2018. País, p. 6

 

TURMA DO STF RESTRINGE USO DE DELAÇÕES

Carolina Brígido

15/08/2018

 

 

Em derrota da Lava-Jato na Corte, Toffoli, Gilmar Mendes e Lewandowski decidem que só a colaboração é insuficiente para recebimento de denúncia. Acusação da PGR contra Ciro Nogueira (PP-PI) é rejeitada

Uma decisão tomada pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve reduzir o fôlego das investigações da LavaJato. Por três votos a um, os ministros do colegiado, que conduz os processos sobre os desvios da Petrobras, declararam que uma denúncia baseada somente em delação premiada não pode ser recebida. Ou seja, se houver apenas os depoimentos dos colaboradores —e as provas apresentadas por eles — um inquérito não pode ser transformado em ação penal e, portanto, deve ser arquivado. A repercussão da decisão em outros casos da Lava-Jato ainda vai depender da análise de cada caso pela Corte.

Foi com essa tese que a Segunda Turma rejeitou ontem denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra o senador Ciro Nogueira, (PP-PI), o presidente do partido, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava-Jato. Ciro Nogueira foi apontado como destinatário de R$ 2 milhões de propina da UTC Engenharia, em troca de promessas de favorecimento da empreiteira em obras públicas. Foram apresentadas fotografias de emissários do senador e extratos bancários. No entanto, como essas provas foram apresentadas pelo próprio delator, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, elas perderam a força, na visão da maioria dos ministros da Segunda Turma.

Para a maioria deles, não havia prova suficiente para justificar a abertura da ação penal. Em julgamentos anteriores, o colegiado tinha esse entendimento em relação à condenação de um réu. Ou seja, o processo poderia ser aberto a partir da delação, mas para condenar era preciso ter mais provas. Agora, o processo sequer será aberto. Portanto, o inquérito deve ser arquivado.

FACHIN DERROTADO

A tese foi levantada pelo ministro Dias Toffoli e recebeu o apoio de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Como de costume, o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, ficou isolado no julgamento, em defesa do recebimento da denúncia. Celso de Mello, que também integra a Segunda Turma, não compareceu à sessão.

A maioria dos ministros alegou que a lei de delações premiadas não permite a condenação de um réu com base apenas nos depoimentos de colaboradores. Fachin alertou para o fato de que, nesse momento, estava em jogo apenas a abertura da ação penal, e não a condenação do investigado. Os demais ministros concordaram que, se não houver uma prova mínima que possa levar à condenação depois das investigações, não seria o caso de abrir a ação penal.

— Exigir uma prova acima de qualquer dúvida razoável é antecipar para a fase do recebimento da denúncia o juízo de condenação. A lei diz que nenhuma sentença condenatória será proferida apenas com fundamento em depoimento de agente colaborador. Mas, se nenhuma sentença condenatória será proferida, isso não obsta o recebimento da denúncia —argumentou Fachin, que foi rebatido por Lewandowski: — A ação penal não pode se substituir a uma investigação. Findo o inquérito, é preciso se trazer um pouco mais. Não se pode se utilizar da ação penal para buscar provas que não se obteve no inquérito. É preciso haver um mínimo de provas nessa primeira investigação.

No voto, Gilmar Mendes usou como exemplo um dos primeiros processos da Lava-Jato abertos no STF, contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o marido dela, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo. Segundo o ministro, a ação penal foi aberta apenas com base em delação premiada. Concluída a investigação, não foram encontradas provas para corroborar as delações —e, por isso, o casal foi inocentado.

— Certamente cometemos equívocos, mas nós mesmos estamos percebendo quão falhas podem ser essas delações e quão severo deve ser o escrutínio para que nós a validemos. A lei deve ser aplicada com essa severidade. (No caso de Ciro Nogueira), considerado o elevado tempo de investigação, há que se trazer um pouco mais, que não somente a voz do delator — ponderou Gilmar.

GILMAR CRITICA PF E MP

Mais cedo, em outro julgamento, Gilmar Mendes aproveitou para criticar os procedimentos da Polícia Federal e do Ministério Público. No julgamento que confirmou decisão anterior de conceder liberdade ao empresário Juarez José de Santana, o ministro disse que “todos querem virar um Moro" e “ganhar um minuto de celebridade", em referência ao juiz Sergio Moro, responsável pelos processo da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Juarez Santana é um dos investigados na Operação Carne Fraca, que apurou irregularidades em frigoríficos e levou outros países a suspender a importação de carne brasileira no primeiro semestre de 2017. Segundo Gilmar, foi constrangedora e irresponsável a forma como as investigações da Carne Fraca foram conduzidas.

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Corte retira de Moro depoimentos da Odebrecht
Carolina Brígido
Cleide Carvalho
Gustavo Schmitt
15/08/2018
 
 

Em avaliação inicial, força-tarefa da Lava-Jato avalia que decisão da 2ª Turma não afeta processos já investigados em Curitiba

Além da decisão contrária à aceitação de denúncias fundamentadas em delações premiadas, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retirou ontem da 13ª Vara Federal de Curitiba, comandadapelo juiz Ser gio Moro, trechos das delações premiadas em que executivos da Odebrecht se referiram ao expresidente Lula. Parte dos depoimentos será transferida para a Justiça Federal em Brasília. A decisão foi tomada porque, para a maioria dos ministros do colegiado, ocaso tem correlação com uma investigação já aberta na capital federal. Aforça-tarefada Lava-Jato em Curitiba, contudo, entende que a decisão não tem efeito sobre os processos que já tramitam em Curitiba.

Nos depoimentos retirados de Moro, o patriarca da família, Emílio Odebrecht, descreveu o relacionamento mantido com Lula desde sua campanha; os motivos pelos quais passou a contribuir para ela; e seu objetivo de mudar o rumo do setor petroquímico nacional. Pedro Novis, ex-executivo da empresa, relata o relacionamento do grupo empresarial com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

Na mesma decisão, também foram retirados de Moro e enviados para a Justiça Federal em Brasília os depoimentos que narram como os pagamentos teriam sido feitos ao governo Lula e o funcionamento das planilhas “Italiano” e “Pós-italiano”, em suposta referência aos períodos em que Antonio Palocci e Guido Mantega ocuparam cargos no governo. Na segunda-feira, o juiz aceitou uma denúncia contra Mantega e livrou Palocci.

A decisão não retira nenhum processo de Moro e não impede que ele peça à Justiça Federal de Brasília o compartilhamento das informações contidas nos depoimentos. Em abril, os ministros decidiram tirar de Moro trechos das delações sobre o sítio de Atibaia e sobre o Instituto Lula, por não terem relação direta com os desvios de dinheiro da Petrobras. A medida não alterou o andamento dos processos sobre o tema que já estavam abertos no Paraná.

Segundo integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, as decisões não têm efeito imediato nos dois processos em curso na Justiça Federal do Paraná —um que envolve reformas no sítio de Atibaia, feitas pela OAS e pela Odebrecht, e outro sobre a compra de um prédio para o Instituto Lula, também pelo Grupo Odebrecht.

Os procuradores avaliam que todos os documentos da delação podem ser compartilhados e que os colaboradores têm sido ouvidos no processo, na condição de testemunhas.

Apesar deste entendimento inicial, o assunto é tratado com cautela. Os procuradores devem fazer uma análise detalhada do acórdão para avaliar o alcance da decisão do STF.