Título: Inimigo secreto
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 18/05/2012, Mundo, p. 16

O ex-deputado colombiano Sigifredo López passou de herói a bandido em algumas horas. Único sobrevivente de um sequestro praticado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2002, López é agora apontado como cúmplice dos guerrilheiros na operação. A Prouradoria-Geral pediu a prisão preventiva do ex-parlamentar e tem três dias úteis para interrogá-lo e esclarecer o que aconteceu no período. A possibilidade do envolvimento de López na captura de 12 deputados departamentais, em Cali, chocou os colombianos e gerou uma enxurrada de versões sobre o crime. Os outros 11 reféns foram fuzilados pelos rebeldes em um incidente até hoje não esclarecido.

A procuradoria decretou a prisão de Sigifredo López, do Partido Liberal, na noite de quarta-feira. Agentes o buscaram em sua casa, em Cali, no sudoeste do país, e o levaram para Bogotá. Uma das provas contra o ex-deputado é um vídeo encontrado no computador de Alfonso Cano, comandante máximo das Farc até ser abatido pelo exército, no fim do ano passado — na época do sequestro, Cano chefiava a guerrilha na região de Cali. Na gravação, um homem cujo rosto não aparece é visto em conversas com rebeldes. Esse homem seria López, que, segundo acredita a promotoria, teria passado informações sobre o funcionamento da assembleia do departamento de Valle del Cauca. A emissora de rádio Caracol informou que haveria outras 20 provas contra o ex-parlamentar, incluindo gravações de conversas telefônicas.

Há também uma testemunha contra López. Em um depoimento de alguns anos atrás, Reynaldo Valencia, ex-guerrilheiro conhecido como Cabeção, disse à Justiça que o político teria facilitado a ação das Farc. Depois, no entanto, Valencia alegou que teria sido obrigado a inventar a história para obter asilo político. Ontem, um guerrilheiro preso ouvido pelo jornal El Tiempo também desmentiu a participação de Sigifredo na operação.

As muitas versões deixaram os familiares das vítimas confusos e perplexos. Em entrevista ao Correio, Carlos Alberto Orosco, irmão de um dos deputados mortos pela guerrilha, disse que essa é a oportunidade para que o crime seja esclarecido. “Sempre houve muitas conjecturas, dúvidas levantadas pelos meios de comunicação e que existem também para nós. Acho que a promotoria fez esse chamado por algum motivo, e precisamos aguardar para saber qual será o resultado”, afirmou. Entre os pontos obscuros do sequestro está o fato de somente López ter sobrevivido ao massacre. Também não se sabe em quais circunstâncias os combatentes decidiram executar os parlamentares e o que os fez manter López como refém por mais dois anos.

Fabiola Perdomo, mulher de outra vítima, disse acreditar na inocência de Sigifredo López. “Enquanto a Justiça não me demonstrar o contrário, ele é inocente. Desde o momento em que falei com ele, quando ele recuperou a liberdade, acreditei na sua versão”, disse ela à Caracol. O governo federal também se pronunciou pela inocência do ex-deputado. “Será muito terrível se, ao fim desse processo, a promotoria tiver razão. Será terrível porque muitas ilusões, muitos esforços, muitas famílias sofrerão um engano terrível”, disse o ministro do Interior, Federico Renjifo.

Tentáculos

O possível envolvimento de Sigifredo com a guerrilha reacendeu o debate sobre a infiltração das Farc nas instituições colombianas. Recentemente, o procurador-geral, Eduardo Montealegre, adiantou ao El Tiempo que faria revelações capazes de “estremecer o país”. Ariel Ávila, analista da Corporação Novo Arco-Íris, explica que essas relações existem, mas não são tão graves quanto as mantidas entre agentes públicos e outros grupos, como os traficantes de drogas. “As Farc tentaram penetrar nas instituições, mas sempre ficaram restritas a cidades pequenas”, comentou ele para o Correio. “Mas podemos esperar novos casos.”

"Será muito terrível se, ao fim desse processo, a promotoria tiver razão” Federico Renjifo, ministro do Interior da Colômbia

Três perguntas para

JAIROLIBREROS, professor da Universidade Externado da Colômbia e especialista em segurança nacional

Como os colombianos reagiram à prisão do ex-deputado Sigifredo López?

Um setor majoritário da sociedade ficou bastante surpreso. As pessoas se perguntam como alguém teria sido capaz de arquitetar tudo isso, sendo companheiro dos deputados sequestrados e tendo, ele próprio, ficado em cativeiro durante sete anos. No entanto, havia rumores do envolvimento de Sigifredo desde pouco depois de sua libertação, em 2009. Para a Colômbia, foi uma surpresa. Mas, para sua família e para as pessoas que trabalham com temas de segurança, esse assuntos existe há pelo menos dois anos.

As Farc mantêm tentáculos nas instituções?

A guerrilha conseguiu ingressar em algumas instituições públicas colombianas há aproximadamente uma década, mediante extorsão ou associações com mandatários locais. E eles lograram também penetrar em instâncias judiciais, promotorias, setores de investigação. É evidente que isso prejudica o trabalho da inteligência contra as Farc. Com esses tentáculos, os guerrilheiros acabam conseguindo algum nível de legitimação para seu comportamento criminoso. Além disso, alcançam níveis de impunidade, com sentenças favoráveis, uma vez que não encontram interlocutores capazes de contestá-los. Com altos níveis de impunidade, o Estado colombiano acaba sendo desprestigiado e os guerrilheiros mostram que são uma alternativa ao poder.

O procurador-geral tinha anunciado, recentemente, revelações estarrecedoras sobre o envolvimento de políticos com as Farc. Qual é a expectativa para isso?

A sociedade colombiana está esperando por esse capítulo da “Farc política”. Nós últimos anos, surgiram vínculos de alguns figurões com os paramilitares de direita, mas sempre houve a exigência dos colombianos por mais esclarecimentos, ou seja, de que forma essas pessoas estão associadas com os grupos armados. Em diversas situações, esses agentes públicos se relacionam com as Farc não somente para ter ganhos políticos e eleitorais, mas também para ganhar espaço na tomada de decisões de políticas públicas para o país. Agora, a sociedade quer que o resultado das investigações se torne público.