O globo, n. 31053, 14/08/2018. País, p. 8

 

Mantega é réu pela primeira vez na Lava-Jato

Cleide Carvalho

Gustavo Schmitt

14/08/2018

 

 

Há suspeitas de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro na edição das medidas provisórias 470 e 472, chamadas de ‘MPs da Crise’. No mesmo caso, juiz Sergio Moro rejeita acusações contra Antonio Palocci por falta de provas

O juiz Sergio Moro aceitou, pela primeiravez, uma denúncia contra o ex-ministro Guido Mantega. Ele é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro na edição das medidas provisórias 470 e 472, conhecidas como MPs da Crise. Ele foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter beneficiado empresas do Grupo Odebrecht com a medida, em troca de propina de R$ 50 milhões. O juiz rejeitou a denúncia contra o ex-ministro Antonio Palocci neste caso, por falta de provas, e afirmou que ele deve ser ouvido como testemunha de defesa.

A ação envolve R$ 15,1 milhões pagos aos marqueteiros do PT, João Santana e Mônica Moura, em 26 entregas, feitas no Brasil, em dinheiro, e outra parte em contas no exterior. Ainda ontem, a defesa de Guido Mantega questionou a competência de Moro para receber a denúncia. Para o advogado Fábio Tofic, o recebimento de caixa dois para a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff em 2014 é caso de competência da Justiça Eleitoral do Distrito Federal. Citou como exemplo decisões da 2ª Turma do STF, que tem encaminhado casos de caixa dois para a Justiça Eleitoral.

A planilha da Odebrecht denominada de “Posição Programa Especial italiano” retrata créditos de R$ 200 milhões à cúpula do PT, com saldo a pagar de R$ 66 milhões em 31 de março de 2014. Na planilha “Posição Pós Itália” o crédito é de R$ 132 milhões, com saldo a pagar de R$ 101,4 milhões em março de 2014.

O empresário Marcelo Odebrecht, delator da Lava-Jato, afirma que o pedido de R$ 50 milhões partiu de Mantega, e que o valor foi disponibilizado pela Braskem, a petroquímica do grupo. O dinheiro pedido pelo então ministro da Fazenda teria sido colocado à disposição em 2009, mas começou a ser usado em 2013.

US$ 2 MILHÕES NO EXTERIOR

Moro lembrou ainda em despacho que Mantega, que ocupou a Fazenda entre março de 2006 e janeiro de 2015, mantinha quase US$ 2 milhões no exterior não declarados às autoridades brasileiras, nem mesmo à Receita Federal.

O ex-ministro é dono de duas contas na Suíça, bloqueadas pelas autoridades daquele país. Em nome de uma offshore batizada de Papillon Company há uma conta com saldo de US$ 1,7 milhão. Na conta pessoal, o saldo é de US$ 143,6 milhões. Os valores só foram revelados às autoridades brasileiras em julho de 2017, quando Mantega tentou aderir ao programa de regularização cambial e tributária aprovado no ano anterior.

Os procuradores dizem que a explicação do ex-ministro para os valores no ex terio ré inverossímil. Moro ressaltou, porém, queépreci soa valiaras provas no processo judicial.

“Evidentemente, tanto Marcelo Bahia Odebrecht e Antonio Palocci Filho são pessoas que, confessadamente, se envolveram em crimes e buscam benefícios penais através da colaboração. Seus depoimentos devem ser vistos com reservas e precisam de prova de corroboração”, escreveu ao aceitar a denúncia.

Além de Mantega, Moro aceitou a denúncia também contra outras nove pessoas: André Luis Reis Santana, Bernardo Afonso de Almeida Gradin, Fernando Migliaccio da Silva, Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, João Cerqueira de Santana Filho, Marcelo Bahia Odebrecht, Maurício Roberto de Carvalho Ferro, Monica Regina Cunha Moura e Newton Sergio de Souza.

Deste grupo, dois não são delatores: Newton de Souza e Maurício Ferro. Os dois foram delatados por Marcelo Odebrecht. Ferro é cunhado de Marcelo Odebrecht, e Souza era braço direito de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. Os dois tinham afirmado que desconheciam as tratativas de pagamento de propina para aprovação das medidas provisória senão integrara malista de delatores da empresa. Porém, Marcelo Odebrecht, ao sair da prisão, passou a questionar a versão.