Título: Denúncias aumentam 144,2%
Autor: Puljiz, Mara
Fonte: Correio Braziliense, 19/05/2012, Cidades, p. 30

Crianças e adolescentes vítimas de violência sexual estão denunciando cada vez mais os autores dos abusos. Dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (Sedh) revelam que o Distrito Federal contabilizou 405 registros no primeiro quadrimestre de 2011, contra 989 no mesmo período deste ano. Um aumento de 144,2% que coloca a capital federal no segundo lugar do ranking nacional de denúncias, perdendo apenas para o Amapá. Nos últimos seis meses, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) prendeu 26 pessoas acusadas de pedofilia e estupro e mais de 150 ocorrências foram registradas de lá para cá. Desde a quinta-feira, pelo menos dois homens acabaram detidos acusados de abuso sexual. Um deles era o avô da vítima.

Adolescente vítima de abuso sexual na última quinta-feira: jovem denunciou o agressor

As estatísticas foram divulgadas ontem, no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (veja arte). Para a delegada-chefe da DPCA, Valéria Martirena, o aumento no número de denúncias representa o encorajamento das vítimas para não deixar o criminoso impune. "Aqui no DF, a população tem mais conhecimento de que existe uma delegacia especializada e acredita no trabalho da polícia. As escolas e os hospitais também têm cumprido papel importante na identificação de crianças vítimas de abuso", explicou. Para denunciar, basta ligar para o Disque 100, da Secretaria de DIreitos Humanos Na DPCA, as vítimas passam por atendimento especializado, com policiais formados e até com doutorado em psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Em uma sala reservada, com brinquedos, as vítimas desenham, pintam em um ambiente no qual se sentem à vontade para relatar a violência sofrida. "Quando ele me dava dinheiro, ele me levava para a cama", contou um menino de 10 anos durante entrevista na delegacia. Uma outra criança, de 8 anos, disse que o abuso ocorria na própria casa, quando a mãe estava no serviço. "Eu não consigo tirar isso da minha cabeça", revelou.

Entre os vários depoimentos na DPCA, está ainda o de uma menina de 7 anos. "Ele levantou o meu vestido, tirou minha calça (...). Quando acabou, pediu para não contar para ninguém. E falou bem baixinho no meu ouvido. Acho que era pra ninguém ouvir", relatou. A psicóloga Sônia Fortes do Prado, especialista pela UnB em violência sexual, diz que em quase 90% dos casos, os agressores são pessoas conhecidas das vítimas ou da própria família. Pais, primos, padrastos, avôs e vizinhos figuram como os principais autores.

Ambiente adaptado

A psicóloga Fernanda Figueiredo Falcomer Meneses atende crianças e adolescentes vítimas de violência em hospitais públicos do DF. Para que as crianças relatem o abuso, elas são ouvidas em uma sala chamada Ludoteca, mantida por uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Nela, o ambiente é adaptado para atendimento das vítimas. "Viver um abuso sexual causa um impacto muito grande na vida da criança e do adolescente. A mudança vai desde alteração de concentração até má alimentação, pesadelos frequentes. O espaço adaptado facilita muito para identificar o crime porque muitas vezes a criança usa o brinquedo para dizer o que está sentido", contou . Fernanda.

Segundo a promotora da Infância e da Juventude Selma Sauerbronn, é necessário que a sociedade perceba a criança e o adolescente como vítimas e que, muitas vezes, eles estão inseridos em um contexto de vários direitos violados que precisa de uma intervenção urgente do Estado. "O número não necessariamente significa que os casos de abuso estão aumentando. Se abrimos mais as portas para as denúncias, é natural que elas cheguem cada vez mais. As escolas, por exemplo, ajudam muito na prevenção", apontou. Para a promotora, entretanto, a mudança da realidade de violência ainda depende de fatores como a proteção integral das vítimas e a divulgação dos mecanismos de denúncia.

Colaborou Thaís Paranhos