O globo, n. 31049, 10/08/2018. País, p. 7

 

Reajuste no STF terá impacto de pelo menos R$ 4,5 bilhões

Carolina Brígido

Cristiane Jungblut

Martha Beck

10/08/2018

 

 

Cálculo do Senado estima rombo nos cofres públicos por causa do efeito cascata em salários de outros Poderes

Os cofres públicos podem ter um impacto negativo de pelo menos R$ 4,5 bilhões por ano se os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aumentarem de R$ 33,7 mil para 39,2 mil. A estimativa é da consultoria de Orçamento do Senado, resultado do efeito cascata nos salários do Executivo, Legislativo, Ministério Público, entre outros órgãos, a partir do aumento do Supremo. A medida ainda precisa passar pelo Congresso.

A previsão constou do parecer apresentado pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que foi relator do projeto de reajuste na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE).

— Votar esse aumento seria um desastre, uma bofetada na cara da população —disse Ferraço, que, no parecer de 2016, destacou o problema das vinculações constitucionais, com o chamado efeito cascata.

A repercussão negativa do aumento de 16,38% fez ressurgir ontem na Corte o debate sobre o fim do auxíliomoradia aos juízes. Para tentar amenizar a pressão da opinião pública, ministros passaram a sinalizar o clima favorável à derrubada da regra atual, que estende o benefício a todos os magistrados, mesmo que já tenham imóveis.

Na avaliação dos integrantes da Corte, o reajuste aprovado, se concedido, deixaria de justificar a existência do penduricalho, defendido pela magistratura como uma espécie de compensação salarial. Hoje, cada juiz ganha, em média, de R$ 4 mil a R$ 6 mil a título de auxílio-moradia. O custo é de cerca de R$ 289 milhões por ano.

A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, disse ontem a colegas que pretende pautar o assunto para os próximos dias. Antes disso, o relator do caso, Luiz Fux, precisa liberar os processos para o plenário. Ministros do STF também consideram importante, agora que o reajuste parece equacionado, julgar ações questionando outros penduricalhos nos contracheques do Judiciário e do Ministério Público. O ministro Marco Aurélio Mello defendeu ontem publicamente que a Corte julgue logo essas questões. Segundo o ministro, o auxílio-moradia é apenas um dos benefícios da magistratura criados para suprir o achatamento no salário da categoria, que estaria com vencimentos defasados desde 2009:

— Votei em 2012 para a necessidade de previsão do auxílio-moradia em lei. Nós temos que acabar com essa história. Remunere-se bem, mas com transparência.

Embora tenha condenado o auxílio, o próprio Marco Aurélio fez coro ontem com os ministros da Corte que defenderam o reajuste. O ministro Ricardo Lewandowski apropriou-se dos resultados da Lava-Jato, que investigou o escândalo da Petrobras nos últimos quatro anos, para tentar minimizar o impacto do reajuste nos cofres públicos. Ele lembrou que, em Curitiba, os investigadores da Lava-Jato anunciaram ontem a devolução ao erário de R$ 1 bilhão desviado da Petrobras (detalhes na reportagem abaixo). Ele comparou essa quantia ao impacto do reajuste de 16,38% para os juízes.

GLEISI E ANA AMÉLIA JUNTAS

Segundo estudos da Corte, a medida implicará gastos extras da ordem de R$ 2,7 milhões ao ano para o STF e de R$ 717 milhões para a Justiça Federal.

— Vocês repararam que ontem os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras? Isso sem falar nos milhões e milhões de reais que os juízes federais e estaduais recuperam para os cofres públicos nas execuções fiscais —disse Lewandowski.

Em resposta às críticas de que o momento do reajuste não foi adequado, diante da crise fiscal e econômica do país, o ministro lembrou que o prazo para envio da proposta de orçamento é a próxima semana:

— Nós tínhamos de mandar o Orçamento, nós temos prazo para mandar o Orçamento. Então, timing de discutir o orçamento é agora.

O ministro Alexandre de Moraes também defendeu o reajuste, diante da defasagem dos salários em relação a outras carreiras:

— As únicas duas carreiras que não tiveram a revisão depois de vários anos foram o Ministério Público e a magistratura. Todas as demais tiveram.

O reajuste do Judiciário, que ainda precisa ser votado no Senado, repercutiu mal no meio político. Geralmente adversárias ferrenhas, ontem, as senadoras Ana Amélia (PP-RS), candidata a vice-presidente na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), e Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do PT, uniram-se nas críticas.

— Uma proposta dessa é desrespeitosa com o povo brasileiro. A nossa população ganha muito pouco. Por que precisa conceder aumento para essa gente? — questionou a petista.

—É preciso lembrar à sociedade que, quando o Supremo aumenta o salário dos 11 ministros, esse aumento vai direto repercutir no aumento dos nosso vencimentos aqui no Senado, na Câmara, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras de Vereadores, na administração federal —afirmou Ana Amélia.