O Estado de São Paulo, n.4559 , 15/08/2018. POLÍTICA, p.A11

2ª TURMA REDUZ ALCANCE DE DELAÇÃO

 

 

Ministros do Supremo rejeitam denúncia e dizem que não havia prova para abrir ação contra o senador Ciro Nogueira (PP) na Lava Jato

 

BRASÍLIA

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal rejeitou ontem, por 3 votos a 1, denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do partido, no âmbito da Lava Jato. A decisão da Turma reforça um entendimento individual de alguns ministros de que somente a delação não é suficiente para abertura de denúncia.

Em junho, usando o mesmo entendimento, a mesma Turma já havia inocentado a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em ação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a partir da delação do doleiro Alberto Yossef e do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa.

No caso julgado ontem, Nogueira era acusado de solicitar propina no valor de R$ 2 milhões da UTC Engenharia, com base em promessas de favorecer a empreiteira em obras públicas de responsabilidade do Ministério das Cidades e do Estado do Piauí.

Em junho, o relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, votou pelo recebimento da denúncia contra Ciro Nogueira por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Já o ministro Dias Toffoli abriu a divergência para rejeitar completamente as acusações da Procuradoria. Ontem, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes acompanharam o entendimento de Toffoli de que não há elementos de prova suficientes para justificar a abertura de uma ação penal.

“Os atos de colaboração devem ser encarados a priori com desconfiança. Os elementos probatórios (neste caso) são oriundos e produzidos pelos próprios colaboradores, nada foi efetivamente comprovado por elementos de corroboração consistentes. Não há elementos suficientes para a abertura do processo”, disse Gilmar.

Lewandowski, por sua vez, defendeu a análise “com rigor” das acusações formuladas pelo Ministério Público Federal, sob pena de “impor ao denunciado a prova de sua própria inocência”. O ministro também reiterou que a delação premiada é um meio de obtenção de prova, e não uma prova em si.

“No caso, não verifiquei um conjunto de evidências seguro para justificar a instauração de ação penal com as graves consequências que isso acarreta para os acusados. Não encontrei elementos seguros que confirmem de forma independente, autônoma, as informações prestadas pelos delatores”, afirmou Lewandowski ontem. “A dúvida milita em favor do réu, mesmo na fase final do julgamento”, disse o ministro.

Para Fachin, no entanto, os depoimentos de delatores são convergentes e apoiados por elementos de prova, como registros de visitas no escritório da UTC, planilhas e cruzamentos de dados telefônicos e dados bancários. “Exigir uma prova, um elemento de corroboração acima de qualquer dúvida razoável é antecipar o juízo de condenação para a fase do recebimento de denúncia”, disse.

O julgamento da denúncia de Ciro Nogueira marca mais uma derrota para Fachin, que já sofreu 21 reveses em questões consideradas cruciais da Lava Jato.

 

‘Justiça’. Em nota, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que a rejeição da denúncia faz justiça ao senador Ciro Nogueira. “As denúncias apresentadas tendo como base somente delações não podem servir de suporte sequer para dar início a uma ação penal”, disse Kakay. “A defesa sempre acreditou no Supremo Tribunal e sustentou, desde o início, que não havia no inquérito nenhum elemento que amparasse tão grave acusação”, afirmou o advogado. / R.M.M. e A.P.