Título: Um míssil em direção ao procurador-geral
Autor: Valadares, João; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 09/05/2012, Política, p. 2
OPERAÇÃO MONTE CARLO
Delegado da PF afirma que Ministério Público interrompeu a investigação contra parlamentares suspeitos de envolvimento com a quadrilha de Cachoeira. Integrantes da CPI defendem a convocação imediata de Roberto Gurgel e da mulher dele, subprocuradora da República
O depoimento do delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Marques de Souza, responsável pela investigação da Operação Vegas, prestado na tarde de ontem na CPI do Cachoeira, complicou de vez a situação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Nas entrelinhas, o investigador deu um recado claro: a Vegas foi interrompida e engavetada, em setembro de 2009, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no momento em que se constatou a participação do senador Demóstenes Torres (sem partido) e dos deputados federais Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO) na organização criminosa. Após o depoimento, que terminou às 22h40, até mesmo parlamentares que desde o início do escândalo se posicionaram contra a convocação de Gurgel, agora, acreditam que é impossível a comissão não chamá-lo para depor.
Bastante discreto e sem utilizar adjetivos, o delegado da PF comunicou que uma ordem da Justiça Federal de Goiás determinou que a investigação fosse remetida à PGR porque esbarrava em investigados com foro privilegiado. Um mês após encaminhar todo o inquérito à subprocuradora criminal da PGR, Cláudia Sampaio, mulher de Roberto Gurgel, o delegado esteve com ela e recebeu a resposta de que não havia provas contundentes contra os parlamentares. Resultado: o inquérito nem foi devolvido para realização de novas diligências nem seguiu para o Supremo Tribunal Federal (STF) para abertura de investigação em relação aos parlamentares citados.
Nesta época, já se tinha a notícia de que Demóstenes teria recebido dinheiro do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para pagamento de um táxi aéreo. A Operação Vegas teve início em 2008 para apurar uma rede que lucrava com jogos de azar e foi paralisada em 15 de setembro de 2009. Ao todo, ocorreram 61 mil interceptações telefônicas.
Recado claro O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, alegou que não remeteu o inquérito ao STF na época porque haveria outra investigação, a Monte Carlo. No entanto, a operação só teve início mais de um ano depois. “Só um cego não enxerga o descontentamento do delegado durante o depoimento. Ele veio e deu, ao seu modo, bastante objetivo e discreto, um duro recado. O procurador-geral da República paralisou toda a investigação. A Monte Carlo nada mais é do que uma retomada daquilo que estava parado, um complemento do serviço que ficou pela metade”, avaliou um parlamentar oposicionista.
Para o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), que nunca defendeu a convocação de Gurgel, o depoimento agravou a situação do procurador-geral da República. “É verdade que a situação se complicou, mas não podemos perder o foco. Tenho medo de que isso aqui vire a CPI do Gurgel. Eu quero saber detalhes da rede da empresa Delta e todas as suas ligações.”
Já o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) afirmou que o delegado enviou um míssil Exocet contra a Procuradoria-Geral da República. “Eu defendo a convocação, agora, da subprocuradora criminal, Cláudia Sampaio. Convocar o procurador-geral é complicado porque ele vai atuar nesse caso. Ficou claro que, sem a PGR, todo o procedimento tinha sido continuado. Foi um Exocet que ele mandou”, ironizou. Randolfe Rodrigues informou que apresentará na próxima reunião administrativa, em 17 de maio, um requerimento para convocar a subprocuradora Cláudia Sampaio.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) informou que o interrogatório do delegado, embora não traga grandes novidades, foi bastante esclarecedor para entendimento de todo o processo. “Uma coisa ficou muito clara: Demóstenes, Leréia e Sandes Júnior não foram interceptados diretamente porque a Procuradoria-Geral da República paralisou a investigação. O delegado deixou isso muito claro.”
No início da sessão, houve bate-boca e muita confusão. Alguns integrantes queriam que o depoimento fosse aberto, no entanto, por 17 votos a 11, o interrogatório foi fechado. Inicialmente, o delegado leu um relatório explicando todo o histórico da Operação Vegas. Depois, 26 integrantes da comissão se inscreveram para fazer perguntas. O delegado, tranquilo segundo os parlamentares, respondeu absolutamente tudo aquilo que foi perguntado. Na próxima reunião administrativa, requerimento que pede o fim do sigilo dos documentos vai ser votado pela CPI.
Inquérito O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou ao Correio que quando recebeu as informações da Operação Vegas constatou que o material não continha indícios jurídicos suficientes para justificar a abertura de um inquérito contra Demóstenes no Supremo Tribunal Federal. “Estaríamos diante de um inquérito absolutamente inviável, cuja finalidade seria a de revelar as investigações que estavam em curso. Não ocorreria a Monte Carlo nem a revelação de nada o que está acontecendo agora”, disse Gurgel. “Tivemos uma estratégia de atuação extremamente bem-sucedida, porque permitiu que esses fatos fossem apurados”, completou.
Sobre a possibilidade de ser convocado pela CPI, o procurador-geral destacou que há um impedimento processual absoluto dele para comparecer à comissão, uma vez que, segundo ele, as investigações referentes a Demóstenes e a outros parlamentares estão sob a sua atribuição. “Se eu comparecesse, ficaria impedido de continuar atuando nesses feitos. Ou seja, a insistência na minha convocação significa a pretensão de afastar o procurador-geral da República da atuação nesses casos se o depoimento viesse a ser efetivado. Não há como eu ser compelido a comparecer à CPI”, frisou.
"É verdade que a situação se complicou, mas não podemos perder o foco. Tenho medo de que isso aqui vire a CPI do Gurgel" Randolfe Rodrigues (PSol-AP), senador
Cronograma
Confira os próximos depoimentos que serão tomados pela CPI do Cachoeira
Amanhã Delegado da Polícia Federal Matheus Mella Rodrigues e dos procuradores da República Daniel de Rezende Salgado e Lea Batista de Oliveira, responsáveis pela investigação da Operação Monte Carlo.
15 de maio O bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
22 de maio José Olímpio de Queiroga Neto, Gleyb Ferreira da Cruz, Geovani Pereira da Silva, Wladimir Henrque Garcez, Lenine Araújo e outros. Todos ligados a Carlinhos Cachoeira.
24 de maio Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, Jairo Martins e outras pessoas ligadas a Cachoeira.
29 de maio O ex-diretor da Delta no Centro-Oeste Cláudio Dias de Abreu.
31 de maio Senador Demóstenes Torres.
Novas regras na sala-cofre
A criticada “caverna”, a sala-cofre que funciona no subsolo da CPI do Cachoeira, começou a ser flexibilizada ontem. O presidente da comissão, senador Vital do Rêgo, comunicou que cada parlamentar terá direito a cadastrar um assessor para também ter acesso aos dados das Operações Vegas e Monte Carlo. Alguns integrantes da CPI afirmaram que seriam disponibilizadas senhas para que os deputados e senadores pudessem olhar os inquéritos diretamente de seus gabinetes. Vital do Rêgo não confirmou a informação. Na quinta-feira, os depoimentos do delegado Matheus Mella Rodrigues e dos procuradores da República Daniel Rezende Salgado e Lea Batista de Oliveira começam às 10h30. No mesmo dia, os dois delegados vão conferir na CPI se os documentos encaminhados à comissão abrangem a totalidade dos inquéritos.
O nº 1 no Congresso
Um mandato a serviço do crime organizado. Essa foi a interpretação da maioria dos integrantes da CPI do Cachoeira depois de ouvir o relato do delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Marques de Souza. Durante o depoimento, a linha de raciocínio desenvolvida evidenciou que o senador Demóstenes era considerado o nº 1 da quadrilha chefiada por Cachoeira no Congresso Nacional. O parlamentar era o braço político do crime. Há indícios de que a organização teria financiado a campanha do senador.
"O depoimento do delegado serviu para oficializar algumas certezas. Demóstenes colocou o mandato a serviço da contravenção. Ele é participante ativo da organização criminosa. Depois do que falou o delegado, não tenho mais nenhuma dúvida quando a isso. Ele não pode fazer parte do Congresso Nacional", declarou o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP). Os deputados Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO) também foram citados no depoimento pelas relações estreitas com o contraventor.
Descuido
O chamado clube do Nextel, um sistema de rádio por onde os integrantes da quadrilha se comunicavam, foi o trunfo da investigação para obter informações sobre a atuação criminosa do grupo. O delegado informou, durante o interrogatório, que os integrantes da organização achavam que era impossível grampear o sistema de rádio Nextel. Informações preciosas foram conseguidas a partir das interceptações. Quando falava pelo rádio, a quadrilha conversava abertamente sobre os negócios ilícitos.
Outro canal importante de informações, relatado pelo delegado, foi construído a partir das interceptações do irmão do contraventor, conhecido como Luiz Cachoeira. Ele era o mais descuidado do grupo. A partir dele, os investigadores tiveram acesso a dados importantes para construir a linha investigatória a ser seguida. (JV)