O globo, n. 31046, 07/08/2018. Sociedade, p. 22

 

Como a América Latina se prepara para envelhecer

Ronny Suárez

07/08/2018

 

 

 Recorte capturado

Região terá maior parte da população com mais de 60 anos a partir da metade do século, o que demanda mudanças nos sistemas de saúde e previdência

Em 2050, a América Latina e o Caribe serão outros. Serão mais velhos. Ainda que chegar nesse cenário tenha sido, e será, um processo demográfico complexo. Tudo começou em meados do século passado, quando o aumento da expectativa devida e as altas taxas de fecundidade incrementaram o segmento da força produtiva, aquele do grupo de 20 a 39 anos. Em 1980, por exemplo, a maioria dos países dessa parte do mundo já tinha uma expectativa de vida de mais de 50 anos e uma taxa de fecundidade de quase quatro filhos por mulher.

Surgiu, então, um fenômeno chamado“bônus demográfico ”, pelo qual o volume da população em idade de trabalhar é maior do que das pessoas dependentes (crianças e anciãos). Mas, com achegada dos anticoncepcionais, entre outras coisas, as taxas de fecundidade e de mortalidade mudaram. E a expectativa devida segue aumentando. Oques e traduzirá em uma população que envelhece com poucos filhos.

O pico desse bônus demográfico, segundo as Nações Unidas, foi em 2010. Naquele momento, um terço(37%) da população latino-americana e do Caribe, algo como mais de 220 milhões de pessoas, tinham e nos de 20 anos. Cinco anos mais tarde, as coisas mudaram.

Em 2015, a população jovem era de 217 milhões (34,4%), ainda majoritária; uma tendência que vai se quebrar em 2023, quando os menores de 20 anos deixarão de ser os mais importantes em termos demográficos, segundo projeções do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa). Em 2045, o grupo de 40 a 59 anos será predominante, ainda que por pouco tempo,

porque em 2052 o das pessoas com mais de 60 anos será o maior e único que continuará acrescer. E se perderão mais de 100 milhões de pessoas que se consideram em “idade produtiva”.

É uma situação que traz, naturalmente, inúmeros desafios e oportunidades par aos países latino-americanos e do Caribe, afirma Pablo Salazar, assessor técnico regional de população e desenvolvimento para América Latina e Caribe do Unfpa. A boa notícia, porém, é que já há um mapa do caminho para a forma como os Estados planejam suas políticas públicas. E também é um caminho que já se começou a percorrer. É o Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento, aprovado pelos representantes oficiais de 38 países em agosto de 2013.

O caminho percorrido nesse sentido, insiste Salazar, será mostrado de hoje a 10 de agosto em Lima, na3ª Reunião da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, organizada pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe( Cepal)c om apoio do Unfpa. Concretamente, na capital peruana se apresentarão os informes, país apaís, do que foi feito para o bem estar futuro de cer cade 650 milhões de pessoas, especialmente aquelas em condições de maior risco e vulnerabilidade social.

O rascunho do documento que reúne os informes de cada país já é público e joga luz nos desafios iminentes que têm que ser trabalhados na região. Segundo Salazar, o primeiro grande desafio é ajustar o paradigma trabalhista e da previdência, começando pelas mulheres.

Na América Latina e no Caribe, ainda que a maioria das nações tenha elevado a cobertura da previdência, persiste uma lacuna de gênero. Segundo o rascunho, na Colômbia 65% dos homens demais de 65 anos têm uma aposentadoria, enquanto entre as mulheres essa proporção só chega a 25%. No Brasil, a proporção é de 75% para os homens e 19% para as mulheres. No Uruguai, ainda que 62% das idosas tenham uma pensão, estão mais de 20 pontos aba ixodos homens (83%), numa mesma lacuna entre os gêneros.

— A maioria das mulheres da região hoje não têm respaldo suficiente para um apensão. Passaram suas vidas cuidando da casa, das crianças, eforado mercado de trabalho. É uma situação grave, tendo em conta que as mulheres vivem mais tempo que os homens. O desafio é garantir que desde já as mulheres não estejam desprotegidas frente ao futuro—explica Salazar.