O globo, n. 31045, 06/08/2018. País, p. 4

 

CHAPA MILITAR

Jussara Soares

06/08/2018

 

 

Bolsonaro escolhe general Mourão como vice

Em decisão classificada como "pessoal", o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) escolheu ontem o general da reserva Hamilton Mourão (do PRTB) como vice em sua chapa. O comunicado foi feito durante a convenção do PSL em São Paulo, em um clube na Zona Norte da capital paulista. O anúncio do militar frustrou uma plateia que, antes do início do evento, aclamava o administrador e membro da família imperial brasileira, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, como vice.

Mourão não foi a primeira opção de vice para Bolsonaro. No início da pré-campanha o deputado queria o senador Magno Malta (PR) parao posto.

No mês passado, o partido, controlado por Valdemar da Costa Neto, preferiu se aliar ao ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) na disputa ao Planalto. Depois, as opções ventiladas foram a advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o general da reserva Augusto Heleno (PRP) e o astronauta Marcos Pontes (depois descartado pelo próprio Bolsonaro).

No sábado, Paschoal alegou razões "familiares" para não aceitar o convite. No caso caso de Heleno, o próprio PRP vetou a aliança - o partido fechou apoio a Alvaro Dias (Podemos).

Presidente do Clube Militar, o general Mourão chegou a sair do páreo na disputa pelo cargo de vice em função de declarações que fez sobre parte dos eleitores do candidato.

Em uma das ocasiões, disse considerar "meio boçal" o radicalismo de alguns dos apoiadores de Bolsonaro. Ele também causou polêmica nos últimos anos ao defender a intervenção militar no país como resposta para a crise econômica e política. A postura levou à perda do cargo de secretário de Economia e Finanças do Exército, em dezembro do ano passado.

Ontem, pela primeira vez como candidato a vice, ele baixou o tom e minimizou as próprias declarações:

- Não estamos atentando contra as instituições, buscando quebrar o sistema democrático. Que radicalismo que existe aí? - afirmou.

O general também admitiu que "não foi feliz" quando defendeu a intervenção militar no país.

- Naquela ocasião, não fui feliz na forma como eu respondi. O que quis colocar é que as Forças Armadas, dentro da visão militar, são responsáveis pela garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem. Quando se fala isso, estamos falando em garantir a democracia e a paz social. Felizmente tudo está caminhando da forma que tem que ser - completou Mourão.

O militar também afirmou que foi “mal-interpretado” ao criticar apoiadores de Bolsonaro: - O que eu disse é que todo o radicalismo é ruim. Não podemos separar os brasileiros - disse.

Com a aliança, Bolsonaro passará a ter nove segundos de tempo de TV. O deputado era o único entre os principais presidenciáveis que, até ontem, corria o risco de ficar sem alianças. Geraldo Alckmin fechou com o centrão, Marina Silva (Rede) é aliada do PV e Ciro Gomes terá acompanhado Avante na sua candidatura.

PRÍNCIPE CHANCELER

Em seu discurso, Mourão defendeu que os brasileiros devam "ascender por méritos próprios" e considerou acabar com o Bolsa Família à medida que postos de trabalhos sejam criados. Por sua vez, Bolsonaro disse que a "dobradinha militar"" formada por ele e Mourão é apenas uma "chapa de brasileiros': e evitou dar detalhes dos motivos que o levaram a escolher o colega de farda, preterindo o administrador e membro da família imperial brasileira, Luiz Philippe de Orleans e Bragança como vice. Ele, que ficará com o cargo de ministro das Relações Exteriores num eventual governo de Bolsonaro, soube que não fora escolhido para vice pouco antes da convenção.

- Neste momento, eu deixo de ser capitão, e Mourão deixa de ser general. Passamos a ser soldados do nosso Brasil - disse o presidenciável, que foi recebido no palco com bateria de escola de samba e um homem fantasiado de Capitão América, sacudindo uma bandeira gigante do Brasil.

Em entrevista aos jornalistas, o candidato criticou o excesso de questionamento sobre o nome que ia compor a sua chapa:

- Vice nunca ocupou espaço na política brasileira.

Confirmando que a decisão pela vice ocorreu na última hora, Mourão também afirmou ter sido comunicado sobre a escolha de seu nome apenas na manhã de ontem. Ele acredita que a amizade de mais de 40 anos dos dois tenha pesado na decisão. O militar afirmou que a aliança não representa um radicalismo.

- O PRTB e o PSL continuam com um valor, que é o bem comum do povo brasileiro. A defesa dos nossos valores, a defesa da integridade do nosso território e patrimônio - disse o general.

Com a aliança, o presidente do PRTB, Levy Fidélix, que concorreu ao Planalto em 2010 e 2014, abriu mão da candidatura.

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Com escolha, deputado volta para seu gueto

Paulo Celso Pereira

06/08/2018

 

 

Quando se lançou pré-candidato à Presidência, logo após obter a maior votação para deputado federal no Rio de Janeiro em 2014, Jair Bolsonaro era conhecido apenas como um militar da reserva atuante na pauta conservadora. Desde então, com um eficiente trabalho de redes sociais, conseguiu transbordar seu discurso para o setor rural, o meio produtivo e conquistou simpatia até da elite financeira de São Paulo.

Depois de flertar sem sucesso com diversos partidos, anunciou ontem a aliança com o miúdo PRTB, eternamente presidido por Levy Fidelix, cuja única pauta conhecida das vezes que disputou a Presidência da República é o chamado “aerotrem”. Como a legenda aumenta em apenas dois segundo o tempo de televisão do ex-capitão, a face efetivamente relevante do acordo será a indicação do general da reserva Hamilton Mourão como vice de Bolsonaro.

A opção por um militar vai na contramão da estratégia básica de candidatos ao poder Executivo, que tentam escolher vices que ajudem a diminuir as resistências que sofrem em determinados setores ou agreguem votos e máquinas partidárias. Mourão tem exatamente o mesmo perfil do cabeça da chapa: é militar, conservador, antipetista e chegou a propor uma intervenção militar.

Após ter conquistado cerca de 20% do eleitorado, e estabilizado nesse patamar, Bolsonaro precisa hoje agregar votos de setores que não rezam fielmente por toda a sua cartilha. A indicação de Mourão, no entanto, só fortalece o núcleo mais radical de sua base de apoio, que embora tenha sido a origem do movimento que o levou a liderar a disputa pré-eleitoral, também é o cerne de seus altos índices de rejeição.