Título: Outros horizontes
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 09/05/2012, Mundo, p. 16

Com François Hollande na Presidência, a diplomacia francesa troca o “estilo megafone” de Nicolas Sarkozy por uma atuação mais discreta. Agenda pode impedir o socialista de vir à Rio+20

A chegada do socialista François Hollande ao Palácio do Eliseu, na próxima terça-feira, dará início a um novo compasso na diplomacia da França. Embora Hollande e o atual presidente, Nicolas Sarkozy, tenham coincidências de posição em importantes questões de política externa, diferenças de personalidade sugerem que haverá mudança no modo de conduzir o tema, considerado no país um “domínio reservado” da Presidência. A começar pela crise na Europa: com a proposta de ser um “presidente normal”, como ele próprio diz, Hollande tentará desviar de si mesmo os holofotes e trabalhar por projetos que não se concentrem apenas na parceria franco-germânica.

É verdade que a saída do sufoco financeiro e o trato com a poderosa chanceler (chefe de governo) alemã, Angela Merkel, estão no topo da lista de preocupações de Hollande. Mas ele já anunciou que não pretende negligenciar nações menores do Velho Continente. Em uma entrevista ao site slate.fr, dois dias antes da eleição, o socialista questionou a aclamada dobradinha “Merkozy”. “Assim como eu acredito em um motor franco-alemão (para a Europa), também questiono a ideia de um duopólio”, afirmou o agora presidente eleito. Ontem, o site do jornal conservador Le Figaro apontou que os diplomatas franceses esperam uma mudança de estilo nas relações internacionais. “É o fim da diplomacia do megafone”, disse um deles.

Analistas consideram possível que a chegada de Hollande ao poder aumente o destaque dado na França às questões ambientais. A presidente Dilma Rousseff convidou o socialista para a conferência Rio%2b20, em junho, e observadores acreditam que ele vá considerar a participação. “Hollande teria muito a ganhar se comparecesse à cúpula, pois mostraria compromisso com o desenvolvimento sustentável, tema típico da agenda socialista”, observa Jocelyn Evans, professor da Universidade de Salford, no Reino Unido, e especialista em política francesa. “No entanto, como que ele terá assumido a Presidência há menos de um mês, talvez não possa ir. Nesse caso, enviará um ministro”, ponderou Evans, em entrevista ao Correio.

Outro fator que pode contribuir para a ausência de Hollande na Rio%2b20 é que ele já tem uma agenda internacional apertada para as primeiras semanas de governo. Além de um difícil encontro com a chanceler alemã, o socialista terá de participar de cúpulas da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ambas ainda este mês. A reunião da Otan dará oportunidade a Hollande para estreitar laços com o presidente norte-americano, Barack Obama, e colocar em prática seu plano de retirada antecipada das tropas francesas do Afeganistão. “Não será difícil encontrar um acordo que satisfaça a todos”, prevê Charles Kupchan, do instituto americano Conselho de Relações Exteriores (CFR, em inglês).

Timoneiro

Com tantas tarefas para tão pouco tempo, Hollande precisa definir um nome forte para ajudá-lo na condução da diplomacia. Dois nomes se destacam, dentro do Partido Socialista, para ocupar o Quai D’Orsay, como é chamada a chancelaria: o ex-premiê Laurent Fabius e o diretor da campanha presidencial, Pierre Moscovici. “Fabius me parece o concorrente mais forte. Ele tem uma vasta experiência e está caminhando para o fim da carreira política. A posição de chanceler não é, para ele, um beco sem saída, como seria para um jovem político ambicioso”, comenta o professor Evans. Hol-lande deve anunciar o escolhido, assim como os titulares das demais pastas, já na próxima terça-feira, dia da posse.

Ontem, o socialista deixou seu quartel-general político, em Paris, para acompanhar a cerimônia em memória do fim da Segunda Guerra Mundial. Em um raro momento de cumplicidade, Hollande e Nicolas Sarkozy prestaram homenagem aos soldados mortos no conflito, diante do Arco do Triunfo. “Nós nos enfrentamos durante a eleição, mas era nosso dever estar aqui. Os cidadãos da França devem sentir orgulho de que a República está unida”, disse o presidente eleito. Entre a multidão que acompanhou o evento, simpatizantes exibiam cartazes com a inscrição “Merci, Sarkozy”, em agradecimento ao atual mandatário.

No aconchego da família

Ao passar o cargo para François Hollande, na próxima terça-feira, Nicolas Sarkozy deixará a “vida pública para se dedicar à vida privada”, como ele próprio anunciou, referindo-se em especial à filha mais nova, Giulia, nascida em outubro passado. A decisão do presidente francês já surtiu efeitos dentro de casa: sua mulher, a cantora e ex-modelo Carla Bruni, planeja lançar um novo disco. “Carla deixou a carreira durante esses anos, mas continuou compondo”, disse a porta-voz da cantora, Veronique Rampazza, ao jornal espanhol El Mundo.