Título: Para Annan,só a ONU salva a Síria
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Fonte: Correio Braziliense, 09/05/2012, Mundo, p. 17

Emissário reconhece que observadores não reduziram a violência e teme uma guerra civil

Quatro dias depois de anunciar, por meio do porta-voz, que as ações para acabar com a onda de violência na Síria estavam “nos trilhos”, o emissário da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Liga Árabe para o país, Kofi Annan, adotou um discurso mais apreensivo. Disse ontem ao Conselho de Segurança da ONU que o plano de paz, anunciado há um mês, “é a última oportunidade de evitar uma guerra civil”. Apesar da presença dos observadores no país, o emissário manifestou o seu temor de que tortura, prisões em massa e outras violações dos direitos humanos estejam se “intensificando”. “Temos de parar os assassinatos”, alertou Annan, ressaltando que cabe ao presidente sírio, Bashar al-Assad, assumir a “responsabilidade básica” para acabar com os confrontos armados iniciados há 14 meses e “criar um ambiente que conduza a um processo político”.

Paralelo às preocupações de Annan, o número de vítimas da revolta popular não para de crescer. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), ontem, o exército bombardeou as cidades de Qalaat al-Madiq e Krak (centro). Seis civis morreram nas províncias de Idleb (noroeste), Homs (centro) e Damasco. Na última segunda, dia de eleições parlamentares no país, os militares contabilizaram 25 mortes. Desde março do ano passado, a violência no país matou quase 12 mil pessoas, a maioria civis, de acordo com o OSDH, e mais de 25 mil estão detidas.

Na reunião com os conselheiros, Annan contou que pessoas conhecidas na Síria por apoiarem a não violência foram presas pelo governo — a denúncia vem sendo feita com frequência pela oposição no país e viola um dos pontos do plano de paz, que prevê a libertação de pessoas detidas durante a revolta — e reforçou a ideia de que o plano de seis pontos estabelecido pela ONU não é uma oportunidade de “final aberto” para Bashar al-Assad.

Quanto à eficácia do plano de saída da crise, Annan constatou um “progresso limitado” no campo militar, mas criticou a atuação do exército, que, segundo ele, continua “a pressionar a população”, mesmo “de maneira mais discreta”. O emissário clamou por um diálogo político entre poder e oposição e justificou que a presença dos observadores da ONU tem por objetivo “criar condições propícias para facilitar um progresso político”.

Pouco antes das declarações de Annan, no entanto, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que, apesar de acreditar na retomada da paz na Síria, seriam necessários “mil, 2 mil, talvez 3 mil observadores” da ONU para pôr fim à revolta popular contra o regime de Bashar al-Assad. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha também acredita que a situação na Síria está piorando. O organismo pediu à comunidade internacional uma ajuda extra de US$ 27 milhões (R$ 52 milhões) para continuar operando no país.

As impressões e preocupações de Annan tiveram como base relatórios de 60 observadores espalhados pelo país e foram oficializadas um dia depois das eleições parlamentares na Síria. A votação foi boicotada pela oposição e condenada pela comunidade internacional. A França a caracterizou como uma “farsa sinistra” e os Estados Unidos afirmaram que o pleito, nesse tipo de ambiente, “beira o ridículo”. Pequim, que apoia Damasco, espera que as legislativas ajudem a “promover o processo de reformas”, enquanto o Irã parabenizou a ação.

O plano (de paz) é a última oportunidade de evitar uma guerra civil”

Kofi Annan, emissário da ONU e da Liga Árabe para a Síria