Título: Uso político de doações
Autor: Campos, Ana Maria; Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 09/05/2012, Cidades, p. 22

INVESTIGAÇÃO/

Imagens encaminhadas ao Ministério Público mostram que equipamentos instalados em escritório de Izalci Lucas contêm números de tombamento no TCU. Se compravada a irregularidade, ele pode responder a ação de improbidade administrativa Publicação: 09/05/2012 04:00

Com base numa denúncia encaminhada à Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) analisa suspeita de que computadores doados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) à Secretaria de Ciência e Tecnologia teriam sido destinados ao escritório político do deputado federal Izalci Lucas (PR-DF), no Setor de Diversões Sul. Uma pessoa que conhecia o grupo do parlamentar encaminhou ao MP fotos supostamente registradas no local onde Izalci mantinha um centro de atendimento a eleitores. São imagens de equipamentos com números de tombamento no TCU.

Izalci nega as acusações e diz ter documentos que comprovam a correta destinação das mercadorias

Em 29 de julho de 2009, a Secretaria de Ciência e Tecnologia do DF recebeu do TCU 200 microcomputadores Celeron, com 250 MB de memória, HD de 80 GB e monitor LCD de 15 polegadas. São equipamentos com cinco anos de uso, doados para serem utilizados no Programa DF Digital, um conjunto de ações voltadas a pessoas carentes para que possam ter acesso a informática. Há indícios, como o Correio mostrou ontem, de que esses aparelhos tenham sido desviados.

O caso é investigado pela 3ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep) do Ministério Público do DF, que apura também o suposto sumiço de bens doados pela Secretaria da Receita Federal à Secretaria de Ciência e Tecnologia do DF, na gestão de Izalci como titular da pasta. Não há registro do destino de várias mercadorias repassadas ao GDF. São peças apreendidas pela Receita, fruto de contrabando ou sonegação de impostos, na fronteira com o Paraguai. Esses produtos ficam estocados sem utilidade. Por meio de legislação federal, há a possibilidade de que sejam doados ao poder público para fins sociais ou para uso da máquina administrativa.

Material de divulgação do parlamentar próximo aos equipamentos

Entre as peças encaminhadas nesses carregamentos, há 9.120 sutiãs, 8.455 meias, 2.906 fitas de filmadoras, 2.031 perfumes, 870 baralhos, 720 escovas de dentes, e vários videogames, como Playstations, Nintendo DS, X-BOX e PS2. Parte dessas peças de vestuário não tem relação alguma com os programas de Inclusão Digital. Na investigação, o Ministério Público do DF analisa imagens do escritório político de Izalci. Nas fotos, são registrados computadores com o número de patrimônio com o qual foram inscritos para doação em documentos encaminhados à Secretaria de Ciência e Tecnologia. Algumas sequências escritas na CPU coincidem com os números documentados pelo TCU. Os registros foram feitos por pessoas que tinham acesso ao escritório político do deputado e depois denunciaram o suposto desvio de finalidade ao Ministério Público.

Em algumas imagens, há material de divulgação do mandato de Izalci próximo aos equipamentos. Também há fotografias de panfletos e informativos impressos que ainda estavam empacotados. O caso está sob investigação e, a depender da qualidade das provas, pode gerar uma ação de improbidade administrativa contra Izalci, conforme estabelece o artigo 10 da Lei nº 8.429/92, segundo o qual configura irregularidade ação dolosa ou culposa que cause lesão ao patrimônio do Estado, desvio, apropriação ou dilapidação de bens públicos.

PGR

O episódio também está sob análise do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a quem cabe investigar e pedir a abertura de processo criminal contra deputados federais. De acordo com a Secretaria de Transparência e Controle do DF, que promoveu auditoria sobre o desaparecimento das mercadorias doadas pela Receita Federal, há indícios de envolvimento de Izalci em crime de peculato.

Aparelho com numeração do TCU

Izalci Lucas nega que tenha feito uso inadequado dos produtos. Ele alega ter documentos que comprovam o encaminhamento de forma legal das mercadorias. Em um duro discurso ontem no plenário da Câmara dos Deputados, o parlamentar alegou ser vítima de retaliação política promovida pelo atual Governo do Distrito Federal, uma vez que se tornou um crítico constante da atuação do Executivo local. O deputado federal afirma que as mercadorias foram distribuídas em comunidades carentes, seguindo critérios do programa DF Digital, com a ajuda da Fundação Gonçalves Ledo. Izalci sustenta que a Secretaria de Transparência fez uma auditoria para prejudicá-lo politicamente. "O governo tenta me desmoralizar para inibir as críticas que faço, mas não vão conseguir me calar", disse. Embora confirme que mantenha a Sala 606 do Edifício Eldorado como escritório político, Izalci nega que tenha levado computadores doados pelo TCU para uso de seu interesse. "Essas fotos só podem ser montadas", reclama.

Em nota encaminhada ontem ao Correio, o ex-presidente da Fundação Gonçalves Ledo Manoel Tavares disse que os produtos foram encaminhados em um caminhão, no segundo semestre de 2009, e armazenadas numa sala da entidade no Recanto das Emas a pedido de Izalci. De acordo com Tavares, apenas integrantes da Secretaria de Ciência e Tecnologia. "Nenhum funcionário da Fundação Gonçalves Ledo teve qualquer acesso às mercadorias guardadas na sala", disse Tavares, que administrou a entidade entre setembro de 2009 e fevereiro de 2010.