O globo, n. 31042, 03/08/2018. Sociedade, p. 24
200 MIL BOLSAS EM RISCO
Daniel Gullino
Josy Fischberg
Marta Szpacenkopf
03/08/2018
Corte de verbas pode suspender pagamentos
O presidente B da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Abilio Baeta Neves, enviou ontem um Ofício ao ministro da Educação, Rossieli Soares, informando que, caso não haja mudanças no orçamento para 2019, o órgão terá que suspender o pagamento, a partir de agosto do próximo ano, de quase 200 mil bolsas de estudo e pesquisa. A medida afetaria todos os bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Segundo a Capes, 93 mil pessoas se enquadram nessa situação. De acordo com O Ofício, também sofreriam com os cortes 105 mil bolsistas de três programas destinados à formação de professores: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), Programa de Residência Pedagógica e Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). Outro impacto seria nos programas de cooperação internacional.
MINISTÉRIOS SE REÚNEM
Segundo a Capes, serão paralisados também o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e os mestrados profissionais do Programa de Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Pública de Educação Básica (ProEB). Nesses programas, estão inseridas mais de 245 mil pessoas, que deverão ser impactadas pelo corte.
Além disso, praticamente todos os programas de fomento da Capes no exterior seriam afetados.
Na carta, Abilio Baeta Neves afirma que “foi repassado à Capes um teto limitando seu orçamento para 2019 que representa um corte significativo em relação ao próprio orçamento de 2018”. O texto diz que, se o teto for mantido, “os impactos serão graves para os Programas de Fomento da Agência”.
O presidente do órgão faz questão de ressaltar, no entanto, o empenho de Rossieli Soares em “viabilizar a integridade orçamentária” do ministério, mas reclama do teto repassado à Capes.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso prevê que o orçamento do Ministério da Educação mantenha em 2019 o mesmo valor deste ano, corrigido pela inflação. A LDO funciona como uma diretrizdeparâmetrosparaoorçamento do ano que vem, que tem de ser enviado para o Legislativo até agosto.
Este ano, o orçamento da Capes é de R$ 3,9 bilhões. Os valores estão em queda desde 2015, quando foram gastos R$ 7 bilhões. Em 2017, foram utilizados R$ 4,6 bilhões.
Em nota, a Capes informou que o ofício trata apenas do orçamento de 2019, e que nenhum dos programas será afetado ao longo de 2018.
Os ministérios do Planejamento e da Educação divulgaram nota conjunta para dizer que a Lei Orçamentária Anual de 2018 para o MEC é de R$ 23,6 bilhões, e este montante, para 2019, deverá cair para R$ 20,8 bilhões, “em razão das restrições fiscais”. “O limite foi repassadoproporcionalmente para a Capes”, afirma o comunicado,mas“osvalorespodem sofrer alterações até o encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária, que deverá ocorrer até 31 de agosto”. Está marcada para hoje uma reunião entre os dois ministros, “para continuar o diálogo em busca de uma solução”.
Segundo Luiz Davidovich, que é membro do Conselho Superior da Capes e presidente da Academia Brasileira de Ciências, o corte previsto no orçamento da agência para 2019 é de cerca de 15%, ainda sem considerar a inflação.
—A proibição de cortes na educação e na saúde na Lei de Diretrizes Orçamentárias foi definida pelo Congresso. Ali está estipulado que os orçamentos nessas duas áreas devem ser corrigidos no mínimo pela inflação. Só que o Ministério do Planejamento enviou uma planilha para o MEC com um corte que, ainda por cima, não considera a inflação — afirma ele, que é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para Stevens Rehen, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or, o corte “pode enterrar a ciência no Brasil”.
—O governo sofre de uma miopia para enxergar a ciência. Reduzir gastos fazendo corte de pesquisadores é jogar pelo ralo o que temos de mais precioso, milhares de pessoas — critica o neurocientista, um dos pesquisadores que explicou a associação entre o vírus da zika e a microcefalia. —Esse corte vai paralisar a pós-graduação e, como reflexo, afetar toda a malha de pesquisa científica no Brasil. E o mais desafiador é que não temos voz. A ciência e a política no Brasil são completamente dissociadas.
“O governo sofre de uma miopia para enxergar a ciência. Esse corte vai paralisar a pós-graduação e, como reflexo, afetar toda a malha de pesquisa científica no Brasil. E o mais desafiador é que não temos voz. A ciência e a política no Brasil são completamente dissociadas”
Stevens Rehen, neurocientista, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or