O globo, n. 31042, 03/08/2018. Sociedade, p. 25

 

ABORTO - HOMENS SÃO OS QUE MAIS COMENTAM

Ana Paula Blower

03/08/2018

 

 

 Recorte capturado

Polêmico e complexo, o aborto é pouco debatido nas redes sociais, que estão polarizadas e têm os homens à frente da maioria dos comentários. É isso o que mostra um levantamento feito a pedido do GLOBO, segundo o qual 61,7% das menções sobre o tema são feitas por homens. A maioria dos posicionamentos (68,9%), independentemente do gênero, mostrou-se contrária à descriminalização da prática.Aporcentagemafavor é maior entre as mulheres, mas também não é maioria.

O levantamento, feito pelo “Comunica que muda”, uma iniciativadigitaldaagênciade publicidade nova/sb, analisou menções sobre o assunto nas principais redes sociais durante dez dias, entre 13 e 22 de julho. Nesse período, foram identificadas 43.783 menções à palavra “aborto”. Os estados com maior número foram São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, nessa ordem.

— Quase não existe um debate, de fato, sobre o assunto. Há muitas confirmações de posicionamento, como “sou contra” ou “a favor” ou “não quero discutir” —diz Rodrigo Camargo, do “Comunica que muda”. —E ter a maioria das menções de autoria de homens é uma curiosidade, já que este é um assunto específico do público feminino.

O assunto tem polarizado ainda mais as redes após o Supremo Tribunal Federal (STF) convocar, para hoje e segunda-feira, audiências públicas para debater a possibilidade de o país descriminalizar o aborto nos três primeiros meses de gravidez.

Na avaliação de Paula Martins, diretora da ONG de direitos humanos Artigo 19 Brasil, a violência nas redes diante de assuntos polêmicos, como o aborto, pode resultar em uma autocensura das mulheres:

—Vimos o que aconteceu com a Debora Diniz (defensora da descriminalização do aborto que sofreu ameaças de morte). Isso faz com que muitas mulheres não se sintam confortáveis para falar.

Laura Molinari, idealizadora da Beta, robô que atua no chat do Facebook em defesa das mulheres, acredita que o fato de a mulher ser a principal atingida pelo aborto também é um dificultador para que ela se manifeste:

—Para o homem, o assunto não tem a complexidade que tem para a mulher, porque ele nunca passará por isso. Mesmo as mulheres que nunca abortaram conhecem alguém que já o tenha feito.

Entre as menções identificadas pelo “Comunica que muda”, estão a de um homem que mostra aparente contradição: “Sou contra O aborto, mas, se a mina engravidar, eu meto O pé”. Entre as consideradas favoráveis à legalização do aborto, há uma indicando ponderação: “O Estado não deve se meter no assunto, que tende a ser uma decisão difícil para a mulher. Nem proibir, nem estimular”. Outro exemplo indica o quanto o tema pode ser tratado de forma agressiva nas redes: “Dependendo das respostas (sobre ser a favor ou contra), as pessoas se revoltam e começam a ofender”.

‘BOLHA INFORMATIVA’

Estabelecer um debate de qualidade, portanto, é um desafio. A própria dinâmica das redes dificulta isso. Paula Martins destaca que existe uma “bolha informativa”:

— Ao entrar numa rede, juntam-se ali os seus amigos, que pensam como você. Além disso, há a interferência dos algoritmos, que fazem com que cheguem até você informações a partir de como você interage. Não é um debate em praça pública.

Para Laura Molinari, os boatos têm grande influência.

— As pessoas preferem reforçar a própria opinião e distorcem dados. Mas deveriam olhar para o assunto com mais cuidado por conta da realidade que temos no Brasil: mulheres morrendo por causa de abortos clandestinos.