O Estado de São Paulo, n. 45598, 21/08/2018. Espaço aberto, p. A2

 

Uma nova Justiça Eleitoral para o Brasil

Roberto Livianu

21/08/2018

 

 

Rosa Weber acaba de assumir a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em momento delicado de nossa ainda tenra história republicana, pois em cerca de 50 dias o País irá às urnas eletrônicas para escolher um presidente da República, 27 governadores, 54 senadores, 513 deputados federais e ainda 1.059 deputados estaduais.

Em abril a ministra foi chamada a decidir julgamento crucial para o País, e seu voto era decisivo. Em razão dele, o ex-presidente Lula permaneceu preso, sendo negado o habeas corpus em seu favor impetrado, em virtude do que não se produziu a indesejável sensação de impunidade que geraria sua soltura, que faria letra morta posicionamento anterior do Supremo Tribunal Federal (STF).

Naquele momento agudo, a magistrada mostrou ter coragem e independência, e prevaleceu o senso de justiça que lamentavelmente não prevaleceu quando o presidente da República foi julgado pelo TSE por abuso de poder econômico e político, em 2017, sendo absolvido “por excesso de provas”, nas palavras cunhadas por um jornalista.

Aquele julgamento é uma das páginas mais vergonhosas da história da nossa Justiça, quer porque havia provas abundantes dos abusos de poder praticados pelo acusado, conforme exaustivamente demonstrou o ministro relator Herman Benjamin, quer porque a dinâmica do julgamento teve peculiaridades não muito compatíveis com os cânones da Justiça.

Refiro-me especialmente à atuação questionável de dois julgadores que foram escolhidos pelo próprio réu poucos meses antes do julgamento para o exercício da função, e seria obviamente caso de se darem por impedidos de julgarem o próprio nomeante. Além disso, refiro-me à postura de um terceiro julgador, totalmente incompatível com a atitude de um magistrado, com gestual que trazia à lembrança filmes da máfia; e à nomeação do ministro da Justiça naqueles dias, também exministro do TSE.

Registre-se o comportamento corajoso, digno e honrado do relator Herman Benjamin, que tornou público o excesso de provas e foi acompanhado em seu voto pela própria Rosa Weber e por Luiz Fux. Mas eles foram a minoria. A maioria o absolveu. Este sistema de escolha de ministros do TSE precisa mudar.

Mas este é apenas um flash. As eleições de 2018 trazem novamente um quadro repleto de pontos de interrogação, que perdurará até momento perigosamente próximo ao dia das eleições. Lanço a pergunta: por quê?

Por que não temos um quadro consolidado com antecedência minimamente decente em relação à data das eleições? Seria impossível oferecer aos eleitores a situação totalmente definida pelo menos três meses antes das eleições? Não é razoável que o eleitor brasileiro pretenda isso?

Penso que ele tem esse direito. Vejam vocês, Lula, ficha suja – mas finge que não é –, registra candidatura. A data para a palavra final da Justiça Eleitoral é 17 de setembro. Ou seja, 20 dias antes das eleições. É plausível? Que 20 dias antes de uma eleição seja definido como o momento final para apontar quem serão os nomes dos candidatos? Onde fica o respeito ao eleitor? E o dever de transparência? E o direito à informação? E os valores depositados na “vaquinha” em nome de alguém que não mais será o candidato? E a questão pode não se resolver aí, porque se pode esticar a discussão no STF, alegando-se as mais diversas violações aos direitos constitucionais.

Os problemas seriam resolvidos se o sistema de Justiça Eleitoral exigisse que tudo estivesse resolvido em definitivo três meses antes das eleições, por exemplo. E isso dependeria de mudança constitucional e legal.

A falta de transparência e a de segurança jurídica são duas das piores deficiências que um sistema pode apresentar. São vulnerabilidades gravíssimas, que precisam ser sanadas – e que lhe retiram parcelas significativas da legitimidade. E, ainda, fazem com que a sociedade deixe de acreditar nas eleições e na própria democracia.

E o problema não se restringe a este, da interpretação da lei, para verificar quem pode e quem não pode ser candidato, para proteger a sociedade de discussões intermináveis bem como da insegurança jurídica.

Os cabeças de chapa em eleições majoritárias precisam definir com antecedência quem será seu vice. Não é plausível que essa escolha fique em aberto até momento tão próximo às eleições. Isso igualmente desrespeita o direito do eleitor de enxergar com antecedência razoável o quadro político todo, na sua inteireza, e de refletir, inclusive à luz do pensamento popular “me diz com quem andas, te direi quem és”. Incentiva o vale-tudo político, dá mais tempo para as negociatas sem limite nem qualquer coerência, em busca do poder, custe o que custar. Os mesmos três meses de antecedência poderiam valer aqui.

Sem podermos nos esquecer da necessidade inexorável de um novo marco legal para os partidos políticos, que não têm nenhuma democracia interna, não prestam contas à sociedade, não esclarecem os critérios que utilizam para destinar as verbas do fundão eleitoral, concedem legendas para fichas-sujas e ficam impunes indevidamente.

Penso que Rosa Weber, que conduzirá os destinos do TSE até meados de 2020, reúne condições jurídicas, pessoais e políticas para impulsionar um conjunto importante de transformações na sistemática do funcionamento do sistema da Justiça Eleitoral do Brasil, que obviamente não ocorrerá de forma simples e imediata. Dependerá de amplas discussões no Congresso Nacional, no Conselho Nacional de Justiça, no Conselho Nacional do Ministério Público, no campo acadêmico e na sociedade civil, mas é necessário que o processo se inicie, para que possamos vislumbrar uma nova Justiça Eleitoral, que garanta à sociedade ética e efetivo equilíbrio nas disputas pelo voto.

 

DOUTOR EM DIREITO PELA USP, É PROMOTOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO E IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Uma nova Justiça Eleitoral para o Brasil

Roberto Livianu