O globo, n. 31090, 20/09/2018. País, p. 4

 

A CONFUSÃO DO NOVO IMPOSTO

Eduardo Bresciani

Marcelo Côrrea

Gustavo Schmitt

Silvia Amorim

Luís Lima

Sérgio Roxo

20/09/2018

 

 

Criação de tributo expõe divergências entre Bolsonaro e seu guru econômico

A proposta de criar um imposto sobre movimentações financeiras, revelada pelo economista Paulo Guedes a um grupo de investidores, gerou uma crise na campanha presidencial de Jair Bolsonaro (PSL), cujo discurso é o de redução da carga tributária. O candidato, que continua internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, se recuperando do atentado sofrido há duas semanas, ligou logo pela manhã para cobrar explicações do seu principal assessor econômico e teve que ir duas vezes às redes sociais afirmar que descarta o aumento de impostos. Os adversários de Bolsonaro aproveitaram o episódio para atacar o líder nas pesquisas de intenção de voto, e pretendem explorar o tema nos próximos programas eleitorais.

Apontado como ministro da Fazenda em caso de vitória de Bolsonaro, Guedes falou sobre a criação de um imposto sobre movimentações financeiras, comparado pelos adversários à extinta CPMF, para um grupo de investidores, como revelou a “Folha de S.Paulo”. Referência do plano econômico de Bolsonaro, que o chama de “Posto Ipiranga” para questões da área, Guedes também precisou se explicar para tentar baixar a poeira de sua declaração.

Bolsonaro não tinha sido consultado sobre o plano e reclamou com Guedes, por telefone, que a forma como o assunto chegou à imprensa obrigava a campanha a esclarecer detalhadamente como seria eventual implementação.

Antes mesmo de Guedes se explicar, Bolsonaro afirmou em rede social: “Nossa equipe econômica trabalha para redução da carga tributária, desburocratização e desregulamentações. Chega de impostos é o nosso lema! Somos e faremos diferente. Esse é o Brasil que queremos!”. À noite, o candidato do PSL voltou a tuitar: “Ignorem essas notícias mal intencionadas dizendo que pretendemos recriar a CPMF. Querem criar pânico pois estão em pânico com nossa chance de vitória. Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso”.

GUEDES: “NÃO É A CPMF”

Em Bauru, no interior de São Paulo, o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, afirmou que “criar imposto é dar um tiro no pé”, acrescentando que “isso deve ser decidido entre o candidato e o economista”.

Em entrevista ao GLOBO, Guedes tratou a tributação sobre movimentações financeiras como uma alternativa em estudo para substituir entre quatro a seis tributos. Afirmou ainda que a proposta concorre com a ideia de criar um imposto sobre valor agregado (IVA), em análise por outros candidatos.

— Não é a CPMF. A primeira diferença é que a CPMF é um imposto a mais. (A nossa proposta) seria um imposto único. Não é aumento de imposto de jeito nenhum, é uma simplificação (tributária) brutal — afirmou o economista ao GLOBO. — Estamos examinando pegar quatro, cinco, seis impostos e criar um imposto único federal. Não faz o menor sentido aumentar impostos, criar uma CPMF. Não foi isso que foi falado. A pessoa que passou a informação lá deve ter sido eleitor do PT, do Alckmin, ou coisa assim.

A surpresa com a proposta não foi apenas do presidenciável. Na mesma terça-feira em que debateu o tributo com investidores, Guedes se reuniu com os principais integrantes da campanha e nada falou sobre o tema. O presidente do PSL de São Paulo, deputado Major Olímpio, foi um deles.

— Ele disse que estava fazendo um fala com um grupo de pessoas, e que a informação vazou por alguém que não entendeu a proposta. Ele me disse que deixou claro que há vários planos, além de ter ressaltado que a decisão será do Bolsonaro. Falou ainda que todas as propostas são para diminuir tributos — disse Olímpio.

Outro integrante do núcleo duro da campanha, o general da reserva Augusto Heleno foi no mesmo tom:

— Ele (Guedes) tem muita cancha e resolveu falar isso numa palestra restrita. Mas hoje tudo vaza, e a repercussão não foi boa. Não é nada que não seja explicável e nesse formato de substituição é até saudável. Mas claro que as coisas não vão acontecer em toque de mágica. São etapas que vão ter que ser vencidas, não se faz isso com varinha de condão.

Geraldo Alckmin (PSDB)explorou o noticiário sobre a proposta do economista da campanha do PSL.

— Quem fala em nome do Bolsonaro, o Paulo Guedes, quer recriar a CPMF. Vão fazer mais imposto para passar a conta para o povo. Nós somos contra mais impostos — disse o tucano.

Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) focaram suas críticas na proposta de Guedes de unificação da tarifa de imposto de renda para pessoa física. Segundo o economista disse ao GLOBO, esta alíquota poderá variar de 15% a 20%.

— É um pequeno desastre. Um desastre porque vai fazer pobre, que já paga mais imposto que o rico, pagar ainda mais — disse Haddad.

Ciro, por sua vez, afirmou que todo mundo “sério” cobra imposto de forma progressiva, ou seja, menos de quem pode pagar menos e mais de quem pode pagar mais:

— O que o posto Ipiranga do Bolsonaro está propondo é o inverso: propõe pegar as pessoas que pagam hoje 7,5% ou 10% de IR e passar a pagar 20%.

Em sabatina da “Veja”, a candidata da Rede, Marina Silva, condenou a criação de uma nova CPMF.

— Eu sou contra recriar a CPMF, e nós temos uma proposta de Reforma Tributária.

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Proposta em estudo há seis meses

Marcelo Corrêa

20/09/2018

 

 

Imposto sobre movimentações financeiras substituiria outros tributos e teria alíquota de 0,4%

Aproposta de criar um imposto sobre movimentações financeiras está sendo estudada pelos economistas da campanha de Jair Bolsonaro há pelo menos seis meses. Foi desenhada pelo economista Marcos Cintra, professor da FGV e presidente da Finep, que contribui para a campanha do candidato. A ideia é substituir pelo menos quatro tributos por um único. Assim, IPI, PIS/Cofins, IOF e até a contribuição para a Previdência seriam substituídos pelo novo imposto, com alíquota de cerca de 0,4%.

O novo tributo incidiria sobre todas as movimentações financeiras, com algumas exceções, como transações na Bolsa de Valores. Há a possibilidade de que volumes menores, abaixo de R$ 5 mil, tenham alíquota menor.

A proposta disputa a preferência de Cintra e Paulo Guedes com outra ideia, a do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O modelo também agrega vários tributos em um só, mas incide sobre o consumo. Guedes diz que não decidiu qual sistema adotar, mas Cintra defende a opção pela movimentação financeira.

—O IVA é falado como a oitava maravilha do mundo,mas é um tributo feito para a era industrial. A superioridade da base movimentação financeira é patente —defende Cintra.

O economista negou a comparação com a CPMF, principalmente porque o tributo, que vigorou por 11 anos, não substituía outros impostos e aumentava a carga tributária:

— Eu não estava na reunião com os investidores, mas se estivesse e ouvisse a palavra CPMF teria levantando da cadeira e ido embora.

A equipe de Bolsonaro também prevê alterações no imposto de renda, tanto para empresas como para pessoas físicas. Hoje, a combinação de IR sobre Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) gera carga de 34% sobre as companhias e prestadores de serviço. A ideia é reduzir para 15%.

Em contrapartida, dividendos repassados aos sócios — hoje isentos de imposto de renda —passariam a ser tributados, também em 15%.

Já o Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) teria alíquota única, de 15%, em vez da tabela progressiva. Haveria faixa de isenção de cinco salários mínimos (hoje, cerca de R$ 5 mil). Atualmente, o limite é de R$ 1.903,98.

Ampliar o limite de isenção da tabela do IR gera perda de arrecadação. Em suas simulações, Cintra diz que a conta fecha. Ele prevê que conseguiria manter o atual nível de arrecadação com as alterações. No ano passado, o governo arrecadou com impostos e contribuições R$ 1,3 trilhão.