O Estado de São Paulo, n.45582 , 05/08/2018. Política, p.A8

A imprensa como inimiga

Vera Magalhães

 

 

Jair Bolsonaro disse em sua entrevista à GloboNews que odeia o PT “em regra”. Pode até ser. Mas como o ódio é o oposto do amor, e ambos carregam em sua manifestação um tanto de paixão e irracionalidade, os dois extremos – Bolsonaro e PT – se encontram em uma série de manifestações. Uma das mais claras e recorrentes é o ataque sistemático à imprensa.

Para os eleitores convertidos e militantes dos dois lados, as críticas ao jornalismo são vistas como sinal de coragem ou independência, mas, da maneira como são feitas significam, na verdade, tentativa de intimidação e de desqualificação. E quando a política mira instituições para tentar enfraquecê-las o que sai arranhada, na verdade, é a democracia.

O PT passou 13 anos no poder, e continua agora, em sua fase penitenciária, vociferando sobre a existência de uma imprensa “golpista”. A narrativa tinha por objetivo vender aos fiéis que a revelação de escândalos como o mensalão, que teve na imprensa seu ponto de partida, era na verdade campanha contra o partido.

Como toda narrativa fake, esta foi derrubada pelas evidências. No caso do mensalão, saiu da boca de Duda Mendonça, o marqueteiro de Lula, todo o enredo de pagamentos no exterior, caixa 2, 3 e 4. Antes, Roberto Jefferson já havia dado a letra do samba.

Depois, foi o Congresso a chancelar a existência do mensalão, por meio da CPI dos Correios. Por fim, o Ministério Público fez a denúncia. E o Judiciário condenou a maioria dos implicados.

Portanto, a imprensa não inventou nada ali. Como também não o fez no petrolão, no qual, aliás, teve um papel mais de reportar os passos da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário, em vez de fornecer a eles matéria-prima, como acontecera no mensalão.

Portanto são muitas as instituições – livres, independentes – atuando em um processo que não envolve um só partido, mas praticamente todos.

Ainda assim, se tenta vender a farsa de que a imprensa age para “criminalizar" o PT e os petistas, como se eles próprios não tivessem feito isso largamente. Líder nas pesquisas em que Lula não aparece, Bolsonaro mimetiza sua estratégia de tentar constranger o jornalismo, colocar seus seguidores contra os jornalistas – incentivando, com esse comportamento, ofensas pessoais que muitas vezes resvalam até para a ameaça nas redes sociais – e se colocar como vítima de perseguição.

Puro truque. O deputado tenta chamar de “pegadinhas” ou “armadilhas” questões essenciais a alguém que quer ser presidente da República. Questionado sobre quais impostos manteria caso fosse eleito, uma vez que seu “posto Ipiranga” mencionou 15, abespinhou-se.

Perguntado sobre sua política para o salário mínimo – algo básico e que diz respeito à grande maioria da população –, esquivou-se e preferiu atirar nos mensageiros, os jornalistas que o atacavam.

A tática de minar a imprensa não é nova nem restrita aos polos estridentes da política brasileira. Atualmente tem no presidente norteamericano Donald Trump seu maior propagandista em escala mundial.

Millôr tem uma das melhores definições sobre o papel do jornalismo, que ouvi pela primeira vez na faculdade e que me acompanha como um mantra ao longo desses 25 anos de exercício de profissão: jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados.

Políticos que não têm apreço ao contraditório e não gostam de ser escrutinados vão sempre procurar levar o jornalismo para o terreno do armazém. Mas a imprensa livre continuará perguntando, escarafunchando suas vidas, apontando lacunas, cobrando explicações.

Nas vezes em que se tentou calar o jornalismo o resultado foi ditadura. Que o Brasil não flerte com mais esse retrocesso.

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