Correio braziliense, n. 20197, 07/09/2018. Cidades, p. 17

 

Investigação mira repasses milionários

Ana Maria Campos e Helena Mader

07/09/2018

 

 

FRAUDE » Operação desencadeada pela Polícia do DF apura esquema de lavagem de dinheiro com recursos da verba indenizatória da Câmara dos Deputados. Um dos investigados, Francisco Edielson, é secretário parlamentar lotado no gabinete de Alberto Fraga, candidato a governador do DF

Empresas que receberam R$ 3,3 milhões em recursos da verba indenizatória da Câmara dos Deputados são investigadas por lavagem de dinheiro. Duas firmas sob suspeita foram alvo da Operação Blindness, deflagrada ontem pela Divisão de Combate aos Crimes contra a Ordem Tributária da Polícia Civil do Distrito Federal. Os policiais cumpriram sete mandados de busca e apreensão na Atos Dois Propaganda, na Cloud Technology e na residência de pessoas ligadas às empresas. As firmas faturaram mais de R$ 10 milhões em três anos, mas seus donos são pessoas simples, segundo a investigação. Uma das sócias atuava como diarista, enquanto figurava como administradora da empresa de publicidade. A PCDF informou que nenhum parlamentar é investigado.

A operação foi autorizada pela 3ª Vara Criminal de Brasília, com a anuência do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Um dos investigados, Francisco Edielson é secretário parlamentar lotado no gabinete do deputado Alberto Fraga (DEM/DF), candidato ao Governo do Distrito Federal. O parlamentar repassou R$ 968 mil a empresas ligadas a Edielson, segundo dados do Portal da Transparência da Câmara dos Deputados. O dinheiro para os pagamentos veio da verba indenizatória da Casa. Os serviços prestados ao gabinete de Fraga foram incluídos na rubrica de divulgação da atividade parlamentar.

A Atos Dois Propaganda está registrada em nome de Flávia Ferreira dos Santos. Ela é ex-mulher de Francisco Edielson, funcionário do gabinete de Fraga desde julho deste ano. A Atos Dois usa o nome fantasia Xeque Mate Publicidade. A reportagem visitou o escritório da empresa, no SIG. Na sala divulgada no site da firma, não há identificação. Em outra sala, que aparece como endereço da Atos Dois no registro da Junta Comercial do DF, há apenas um adesivo recém-arrancado com a logomarca da Xeque Mate.

Denúncia

A Divisão de Combate aos Crimes contra a Ordem Tributária, que é subordinada à Coordenação de Combate ao Crime Organizado, aos Crimes contra a Administração Pública e contra a Ordem Tributária da Polícia Civil do DF (Cecor), começou as investigações a partir de uma denúncia relacionada às empresas. O alto faturamento das firmas, não condizente com o patrimônio modesto dos sócios, chamou a atenção dos policiais da unidade. Os repasses milionários de recursos públicos eram incompatíveis com a vida simples de integrantes da família Ferreira dos Santos que, de acordo com a investigação, atuavam como testas de ferro do suposto esquema. Durante o cumprimento dos mandados, os policiais da divisão apreenderam documentos, computadores e arquivos guardados na agência de publicidade. A reportagem tentou entrar em contato com representantes das empresas, mas um funcionário da Atos Dois informou que não havia ninguém autorizado a dar entrevistas.

Segundo o delegado Virgílio Agnaldo Ozelami, responsável pela investigação, o núcleo familiar atuou no suposto esquema de lavagem de dinheiro. “Nós oficiamos a Receita do DF, e ficou confirmado que nos últimos anos as empresas faturaram mais de R$ 10 milhões. Essas pessoas têm um padrão de vida módico, não possuem bens em seus nomes, inclusive uma delas era diarista e recebia um salário-mínimo durante um período em que a empresa recebeu faturamento de quase R$ 1 milhão”, explica Ozelami, em referência a Fátima Ferreira. “O objetivo dessa fase da operação é colher provas e elementos capazes de confirmar a lavagem de dinheiro. Nosso foco agora é identificar quem são os beneficiários do esquema”.

Oito deputados

A Cloud Technology, alvo da investigação, está registrada em nome de Fátima Ferreira dos Santos. Ela é irmã de Flávia Ferreira dos Santos e ex-cunhada de Francisco Edielson. A empresa registrada em seu nome, atualmente inativa, recebeu R$ 1,2 milhão de verba indenizatória da Câmara dos Deputados entre 2013 e 2017. Os recursos foram repassados por oito deputados federais. Só do gabinete do deputado Alberto Fraga, a Cloud Technology, nome fantasia da empresa Fátima Ferreira dos Santos ME, recebeu R$ 298 mil.

O delegado Fernando Cesar Costa, coordenador da Cecor, explica que a apuração faz parte de uma atuação nacional de combate a crimes financeiros. “Essa investigação integra uma estratégia nacional das polícias civis de combate à lavagem de dinheiro”, comentou. Ele ressaltou que nenhum parlamentar é investigado. Por enquanto, apenas as empresas e os sócios são alvo do inquérito.

Em 2015, o Ministério Público Federal abriu inquérito civil público para investigar a atuação da Cloud Technology. À época, havia a suspeita de uso irregular da verba indenizatória. Segundo o MPF, a empresa foi contratada “para a realização de alguns serviços, como a manutenção de site parlamentar, divulgação de mandato, impulsionamento de publicações no Facebook e desenvolvimento de cartilha digital. Porém, extrai-se das informações fornecidas pelo representante que o valor cobrado para os referidos serviços estariam muito acima do valor praticado no mercado”. A reportagem questionou o Ministério Público Federal a respeito do desfecho das investigações, mas o MPF informou que “os procedimentos estão em caráter reservado”.

A assessoria de imprensa de Alberto Fraga informou que a empresa Atos Dois é contratada pelo gabinete de acordo com a legislação que regulamenta o uso de verba indenizatória. Segundo a assessoria do deputado, a firma presta serviços regularmente e com emissão de nota fiscal. O parlamentar classificou a operação desta quinta-feira como “uma ação política do governador Rodrigo Rollemberg”. Ainda segundo a assessoria do deputado, Francisco Edielson trabalha regularmente no gabinete.

A Atos Dois Propaganda também recebeu recursos da Câmara Legislativa. Ela foi contratada pelo gabinete do deputado distrital Rafael Prudente (MDB) que, no ano passado, repassou à firma R$ 13 mil de dinheiro da verba indenizatória. A assessoria de imprensa do parlamentar informou que a firma foi contratada em julho de 2017, para prestar serviços de marketing e assessoria digital, principalmente com foco nas redes sociais. O valor mensal dos repasses era de R$ 3 mil. Mas, segundo a assessoria de Rafael Prudente, o contrato foi encerrado em julho deste ano, já que a legislação não permite a divulgação do mandato em ano eleitoral. “A empresa apresentou todas as certidões exigidas e os contratos foram aprovados pela Mesa Diretora da Câmara”, garante a assessoria.

Dinheiro suspeito

R$ 3,3 milhões

Valor recebido por empresas em recursos de verbas indenizatórias