Título: Trabalho escravo punido
Autor: Correia, Karla; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2012, Política, p. 8

Câmara aprova proposta que permite a desapropriação de fazendas onde haja funcionários em condições análogas à da escravidão

» KARLA CORREIA

» DIEGO ABREU

Depois de oito anos de espera, o plenário da Câmara aprovou ontem, em segundo turno, a chamada PEC do Trabalho Escravo, que prevê a desapropriação de imóveis rurais e urbanos onde for constatada a existência de empregados em condições análogas à escravidão, sem a possibilidade de indenização por parte do governo, e os destina à reforma agrária e a programas de habitação popular.

O texto foi aprovado por 360 votos a favor, 29 contra e 25 abstenções depois de um intervalo de oito anos entre o primeiro e o segundo turno de votação na Casa, e agora segue de volta para o Senado. A proposta sofreu forte resistência da bancada ruralista, que defende a necessidade de mudar os critérios que definem o que são as condições análogas à escravidão, como está previsto no Código Penal.

Por um acordo costurado entre líderes partidários, o Senado deverá incluir no texto referência a uma legislação complementar, a ser elaborada, que discipline o que é trabalho escravo e os procedimentos para a desapropriação dos imóveis. De acordo com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) as duas Casas do Congresso formarão uma comissão conjunta para redigir o projeto de lei de regulamentação.

A votação ocorre uma semana depois de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmar a maior condenação por prática de trabalho escravo da história do país. A 1ª Turma do TST impôs, no começo da semana passada, multa de R$ 5 milhões por danos morais à Lima Araújo Agropecuária. Uma fiscalização feita em 1998 em fazendas da empresa no Pará constatou a exploração de 180 trabalhadores em situação análoga à escravidão, incluindo mulheres e menores de idade. Todos eram impedidos de sair do local de trabalho e foram submetidos a condições degradantes. De acordo com os autos, os funcionários não recebiam alimentação adequada, não tinham acesso a água potável e dormiam em ambiente insalubre.

A agropecuária condenada é de propriedade do empresário Jefferson Lima Araújo, também dono de uma importante construtora de Alagoas. O grupo já anunciou que irá recorrer. No entanto, o TST informa que já negou o envio de recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). A empresa chegou a ser multada em R$ 50 mil por protelar o cumprimento da decisão, que estabelece o repasse dos R$ 5 milhões para um fundo voltado para a prevenção e a repressão do trabalho degradante.

Marco histórico O presidente da 1ª Turma do TST, ministro Lélio Bentes, avalia que a aprovação da PEC representará um marco histórico para o Brasil no combate à mão de obra escrava e, ainda, terá uma importância internacional para o país. "Há vários anos, a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), anualmente, indaga o Brasil sobre o andamento dessa PEC, ressaltando a importância de dar esse passo, pioneiro no mundo, para o enrijecimento das penas aplicáveis aos que exploram o trabalho escravo", destacou o ministro.

Para os ruralistas, críticos da PEC, a legislação atual que define trabalho escravo seria muito genérica, o que, em sua avaliação, daria margem a abusos por parte dos fiscais.