O Estado de São Paulo, n. 45596, 19/08/2018. Economia, p. B4

 

Defasagem de dados prejudica políticas públicas

Idiana Tomazelli e Daniela Amorim

19/08/2018

 

 

Contagem populacional, que já não foi feita em 2015 por falta de verba, está desatualizada; informações são usadas para definir investimentos

O Censo Demográfico é a pesquisa mais detalhada sobre a realidade de cada pedaço do Brasil e é considerada imprescindível para a definição de políticas públicas. Os dados coletados ajudam, por exemplo, a apontar locais prioritários para investimentos em saneamento básico e a atualizar referências de outras pesquisas que medem o desemprego ou o nível de pobreza do País. Também é essencial para definir a partilha de recursos federais para Estados e municípios.

“A informação do Censo é crucial porque os dados da população brasileira são atualizados a cada dez anos. Hoje, o que a gente acha da população é com base em estimativa do Censo de 2010. Quanto mais se afasta da base do Censo, mais impreciso fica”, afirma o sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE. Ele diz, no entanto, que só o próprio instituto terá condições de avaliar se é possível fazer uma pesquisa mais enxuta diante da falta de recursos já indicada pelo governo.

O Censo visita a casa de todos os brasileiros para traçar uma radiografia da situação de vida da população nos municípios e seus recortes internos, como distritos, bairros e outras realidades. Esse nível de minúcia não é alcançado em outras pesquisas do IBGE feitas por amostragem, que entrevistam apenas parcela da população.

A edição de 2020 é ainda mais relevante porque a Contagem Populacional (que é uma espécie de pesquisa intermediária entre os censos) prevista para 2015 não foi feita por falta de dinheiro. Ou seja, os dados disponíveis estão com uma defasagem maior que a habitual. “Isso afeta distribuição de recursos, políticas de redução da pobreza. O País fica sem informação para fazer políticas públicas”, afirma Schwartzman.

O sociólogo explica que a formulação do Bolsa Família, por exemplo, é baseada em informações sobre as famílias que estão em situação de pobreza, levantadas a partir de pesquisas como a Pnad, que traz dados sobre emprego e renda no País. A definição da amostra populacional que será ouvida na Pnad para fazer o retrato mais fiel possível do País é guiada pelos dados disponíveis sobre o total da população – ou seja, pelo Censo. “Sem isso, a base fica cada vez mais irrealista”, diz Schwartzman.

No caso de divisão de recursos federais, há casos de municípios que recorreram à Justiça para tentar ampliar os valores recebidos da União para políticas na área de saúde, por exemplo. A justificativa é que os dados do IBGE, que só tem conseguido fazer projeções da população, já não demonstram o real crescimento do número de pessoas vivendo em determinadas cidades. A pesquisa também é importante para que empresas possam tomar suas decisões de investimento, afirma o ex-presidente do IBGE.

 

Histórico. Em 1991, no governo de Fernando Collor de Mello, o Censo foi adiado para o ano seguinte por causa da demora na contratação dos entrevistadores. Mais recentemente, o IBGE precisou restringir o alcance do Censo Agropecuário 2017 por causa da falta de recursos. O levantamento, que foi a campo no ano passado e começou a ter os dados divulgados nos últimos meses, previa um orçamento de R$ 1,6 bilhão, com a contratação de 80 mil profissionais. O formato precisou ser revisto para caber em um terço da verba necessária (R$ 550 milhões), com apenas 29 mil funcionários temporários.

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE) alerta que a realização do Censo Demográfico estaria ameaçada mesmo que o orçamento total de R$ 3,4 bilhões fosse liberado. Segundo eles, o órgão não tem a quantidade de servidores necessária para conduzir as etapas de planejamento, análise, revisão e acompanhamento da coleta de dados feita pelos temporários.

A direção do IBGE chegou a enviar ao Ministério do Planejamento um pedido de concurso público para preenchimento de 1,8 mil posições que foram perdidas nos últimos anos com a aposentadoria de servidores. “Até agora não houve resposta do governo”, diz Dione de Oliveira, dirigente da ASSIGBE

 

Políticas públicas

“(A imprecisão do Censo) afeta a distribuição de recursos (...). O País fica sem informação para fazer políticas públicas.”

Simon Schwartzman ​, EX-PRESIDENTE DO IBGE