O globo, n. 31089, 19/09/201. Colunas, p. 6

 

A eleição que virou um duelo

Bernardo Mello Franco

19/09/2018

 

 

A nova pesquisa do Ibope mostra que a corrida presidencial mudou de cara. Há uma semana, cinco candidatos ainda pareciam ter chance de vitória. Agora a disputa se afunila para um plebiscito entre o bolsonarismo e o lulismo.

Jair Bolsonaro se consolidou na liderança. Ele oscilou positivamente e chegou a 28% das intenções de voto. Fernando Haddad deu um salto expressivo e aparece com 19%. O petista abriu oito pontos de vantagem para Ciro Gomes, que estacionou em 11%.

Os números apontam para um duelo final entre BolsonaroeHaddad.Noentanto,ascampanhaspassarama trabalhar com outra hipótese. Com a polarização, o eleitor pode antecipar a decisão para o primeiro turno. “Achodificílimo,improvável,masnãoimpossível”,dizo presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro. “Vai dependerdovotoútil.Dojeitoqueapopulaçãoestáchateada, pode haver um movimento para decidir logo”.

Considerando apenas os votos válidos, Bolsonaro tem 36% e Haddad tem 24%. Os dois estão em alta e tendem a crescer mais na reta final. Se ficar claro que um deles será presidente, eleitores de outros candidatos devem engordá-los com o voto útil. A taxa de abstenção e a soma de brancos e nulos terão peso decisivo.

Bolsonaro fará o possível para atrair quem topa tudo para evitar a volta do PT. O capitão tentará recrutar eleitores de Geraldo Alckmin e dos nanicos Alvaro Dias, Henrique Meirelles e João Amoêdo. O desafio de Haddad é buscar quem se desiludiu com o PT, mas não desejaentregaropaísaummilitarquejápregouofechamento do Congresso e o fuzilamento de adversários. Ele já começou a ensaiar uma guinada ao centro. Agora deve se apresentar como a única “opção contra a barbárie”.

Ciro ficou espremido em sua tentativa de terceira via. Agora precisa rezar por um tropeço dos líderes. Salvo uma reviravolta, Alckmin e Marina Silva parecem fora do jogo. A campanha do tucano tende a se transformar numa crônica de traições, com o centrão se dividindo entre Bolsonaro e Haddad. A da ex-senadora caminha para um fim melancólico. Em 14 dias, ela perdeu metade dos votos. Quase todos para o escolhido de Lula.

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Haddad antecipa estratégia de moderar discurso

Sérgio Roxo

19/09/2018

 

 

Confirmada polarização com Bolsonaro, petista envia sinais ao mercado, fala na possibilidade de diálogo com o PSDB e descarta conceder indulto a Lula. No confronto com candidato do PSL, ideia é contrapor ‘civilização à barbárie’

Confirmado o cenário de polarização com Jair Bolsonaro (PSL), o presidenciável do PT, Fernando Haddad, pretende antecipar a estratégia de um discurso mais moderado, previsto inicialmente para ser adotado no segundo turno. Os primeiros sinais nesse sentido começam a ser elaborados. Entre as ações previstas neste novo momento da campanha petista, estão a sinalização ao mercado de que, uma vez no poder, o partido não adotará a política fiscal do governo Dilma Rousseff, que levou o país à crise econômica.

Na segunda-feira, em sabatina promovida pelo SBT, Uol e “Folha de S.Paulo”, Haddad já mandou um recado ao dizer que o economista Marcio Pochmann foi apenas um colaborador do programa de governo do PT, “como outros 300 participaram”. Pochmann é visto pelo mercado como um economista sem compromisso com as reformas.

Caso o confronto com Bolsonaro se confirme, a ideia do candidato do PT é também passar ao eleitor que a disputa irá opor a “civilização à barbárie”. Haddad vai destacar ser um conciliador. Como prefeito de São Paulo, o candidato tinha boa relação com o então governador Geraldo Alckmin (PSDB). Na época, também teve encontros com o expresidente Fernando Henrique Cardoso.

Em ato de campanha no domingo, Haddad já chegou a falar na possibilidade de diálogo com os tucanos:

— O próprio PSDB já fez uma autocrítica. Isso é muito importante porque constrói possibilidades de diálogo depois das eleições.

Haddad se referia a uma entrevista do senador Tasso Jeireissati ao jornal “O Estado de S. Paulo”, em que o tucano critica a contestação feita por seu próprio partido ao resultado da eleição presidencial de 2014. Em nenhum momento, Jeireissati falava do impeachment.

Até o momento, a linha central da campanha de Haddad vem sendo a vinculação máxima a Lula para permitir a transferência de votos do ex-presidente. De acordo com um aliado, essa estrategia teve o seu auge na entrevista ao “Jornal Nacional”, na última sexta-feira. Na ocasião, o candidato vestiu uma gravata vermelha e começou a sua participação com um “boa noite, presidente Lula”. Esse roteiro deve ficar para trás, com a confirmação da polarização com Bolsonaro.

Ontem, o candidato do PT foi mais incisivo na sua negativa sobre a concessão de um possível indulto a Lula, caso seja eleito presidente. Após ser apertado sobre o tema em sabatina promovida pela rádio CBN e portal G1, Haddad descartou adotar a medida mesmo que os tribunais superiores confirmem a sentença contra o expresidente por corrupção e lavagem de dinheiro.

—A resposta é não, não ao indulto —respondeu.

Antes, o petista se limitava a dizer que Lula não tinha interesse no indulto porque seu desejo era provar a sua inocência. O assunto veio à tona após o jornal “Estado de Minas” publicar declaração do governador Fernando Pimentel (PT), dizendo que Haddad daria o indulto a Lula “em seu primeiro dia de governo”.

Na sabatina, o presidenciável disse que nunca discutiu perdão judicial ao expresidente com Pimentel nem o autorizou a falar em seu nome. Reservadamente, dirigentes e lideranças do PT admitem a possibilidade de Haddad dar um indulto a Lula.

Na reunião da coordenação de campanha, realizada ontem em São Paulo, antes da divulgação da pesquisa Ibope, foi avaliado que a transferência de votos está em um ritmo até superior ao esperado, mas ainda não terminou. Sem a presença do candidato, que estava em campanha em Santa Catarina, os petistas discutiram que devem ficar atentos aos números de Bolsonaro nas pesquisas para que não ocorra um eventual crescimento acelerado que lhe dê chances de vencer a disputa no primeiro turno.

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Ciro acusa petista de fazer 'esquerdismo de goela'

Luís Lima

19/09/2018

 

 

Candidato do PDT critica novo tom ameno de Haddad e condena proposta de revogação apenas parcial do teto de gastos

O candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, acusou o presidenciável petista Fernando Haddad de fazer um “esquerdismo de goela” ao defender uma revogação parcial da emenda do teto de gastos, que protegeria apenas investimentos e não despesas de custeio. Ciro também procurou colar a imagem de Haddad a políticos do MDB que defenderam o impeachment de Dilma Rousseff, como os senadores Eunício Oliveira (CE) e Renan Calheiros (AL).

Em evento na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ciro atacou o discurso do petista em relação ao teto de gastos:

— Fiquei muito constrangido com o Haddad (...) Estão fazendo de novo uma carta aos brasileiros, por capítulos. O Haddad anunciou que vai manter a PEC 95, e só vai excluir os investimentos.

Além de Haddad, o ataque foi direcionado ao PT, “que só pode mentir”, avalia Ciro, ao dizer que vai priorizar a ciência e tecnologia defendendo uma revogação parcial da emenda do teto de gastos.

— Fico eu sozinho pagando o desgaste de reclamar contra militar, banqueiro. A tarefa não pode ser só minha, mas de todos nós. Ou a gente cria uma corrente de opinião e para de oportunismo com esse esquerdismo de goela, que não se traduz na prática, ou o ideário progressista vai estar desmoralizado —afirmou.

Em relação ao apoio que Haddad recebe de emedebistas do Nordeste, Ciro tentou explorar contradições.

— O Ceará deu dois terços dos votos contra o impeachment. Aí, por isso rompi, com Renan Calheiros, meu velho amigo, e o Haddad está com ele. Aí eu rompi com o Eunício Oliveira, e o Haddad está com ele. E ele que é progressista, e eu estou sendo empurrado para a direita? —ironizou.

Embora mantenha os ataques a Haddad, com quem disputa o mesmo campo político, Ciro pretende investir no discurso moderado para tentar conquistar os votos de centro que rejeitam o PT e não votam em Jair Bolsonaro (PSL). O foco é investir no chamado voto útil, atraindo principalmente o eleitor que tende a votar em Geraldo Alckmin (PSDB), mas pode desistir diante da queda do tucano nas pesquisas.

— O Alckmin está desmanchando. Esses votos vão para onde? Vamos atrás do voto do Alckmin e do eleitor lúcido do Lula, aquele cara que não é um apaixonado cego — afirma Carlo Lupi, presidente do PDT e coordenador da campanha de Ciro.