O globo, n. 31089, 19/09/2018. País, p. 9

 

Declarações de Mourão geram críticas de aliados

Vinicius Sassine

19/09/2018

 

 

Para generais que apoiam Bolsonaro, fala do vice que relaciona criminosos a famílias sem pai é ‘bobagem’ e prejudica campanha

O general da reserva Antônio Hamilton Mourão (PRTB), candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), foi repreendido ontem por militares de seu entorno em razão de declarações dadas nos últimos dias. O entendimento de generais que participam da campanha é o de que as falas de Mourão prejudicam a candidatura.

Bolsonaro está internado em São Paulo, depois de sofrer um atentado em Juiz Fora (MG) no último dia 6. Nesse contexto, Mourão ganhou protagonismo. Em uma palestra em São Paulo, anteontem, ele disse que famílias em que mães e avós criam os filhos, em áreas carentes, acabam virando “fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narco-quadrilhas”. O candidato a vice também usou o termo “mulambada” para se referir a parceiros do Brasil na política externa com países do Hemisfério Sul.

Logo após as declarações e a imediata repercussão negativa, o general Mourão recebeu ligações de generais que integram grupos de suporte à campanha de Bolsonaro. Ouviu que a fala com referência à “mulambada” foi “totalmente desnecessária”. O vice reclamou que “hoje não se pode dizer mais nada”.

Para esses aliados, as declarações de Mourão podem trazer prejuízo à candidatura e à imagem de Bolsonaro. Desde o início da campanha, o candidato do PSL tem desempenho no eleitorado feminino inferior ao que consegue entre os homens. Esse é um ponto que costuma ser explorado pelos adversários.

A campanha de Bolsonaro inclusive divulgou um vídeo do presidenciável com sua filha caçula para diminuir a resistência a seu nome entre as mulheres. Nesse contexto, a frase sobre “mães e avós” foi considerada uma “bobagem” por aliados, com potencial de criar desgaste desnecessário ao cabeça da chapa.

O entendimento desses generais aliados é que só uma catástrofe tiraria Bolsonaro do segundo turno. Mas, na visão deles, é preciso ter “equilíbrio” nesses menos de 20 dias de campanha até 7 de outubro.

PRESIDENCIÁVEIS REAGEM

Se aliados não gostaram, adversários da campanha também criticaram as falas de Mourão. Marina Silva (Rede) afirmou que “é uma afronta chamar de desajustados os filhos de 11,6 milhões de mulheres que chefiam lares”:

— É da valentia dessas mães e avós que nasce o milagre da sobrevivência de milhões de pessoas.

Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou ontem que ficou “horrorizado” com as declarações que considerou “uma ofensa às mães que criam seus filhos”. Sua campanha voltou a fazer críticas mais contundentes a Bolsonaro.

Ciro Gomes (PDT) desde a semana passada vem fazendo ataques ao vice de Bolsonaro. Na madrugada de ontem, em entrevista ao “Jornal da Globo”, Ciro o acusou de pretender dar um golpe de Estado no Brasil.

O candidato do PT, Fernando Haddad, afirmou que “acusar uma mãe chefe de família, uma avó chefe de família pelo que acontece na criminalidade é um absurdo”.

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País tem 11 milhões de lares onde só a mãe cria os filhos

19/09/2018

 

 

Especialistas afirmam que mães e avós são fundamentais para a formação de jovens e crianças. A avaliação contradiz o entendimento do general Hamilton Mourão (PRTB). Na opinião do candidato a vice de Jair Bolsonaro, lares chefiados por mulheres são “fábricas de desajustados”.

Para os estudiosos, não há dados que comprovem a tese de Mourão. A economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano lembra que 44% da renda das famílias no país vêm da mulher:

—Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família no Brasil, na Índia e no México são destinados para as mães, porque já é sabido que elas investem mais nos filhos e na casa.

Já o demógrafo José Eustáquio Alves, da escola de estatísticas do IBGE, destaca que não é possível ver relação de causa e efeito entre a estrutura familiar e a vulnerabilidade social.

Atualmente. há no Brasil 11 milhões de lares compostos de mulheres sozinhas com filhos, o que representa 16,3% dos domicílios.