Correio braziliense, n. 20198, 08/09/2018. Política, p. 5

 

Temor de "queima de arquivo"

João Vitor Marques

08/09/2018

 

 

Juiz de Fora (MG) — A juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, da 2ª Vara Federal da Subseção de Juiz de Fora, na Zona da Mata de Minas, decidiu, em audiência de custódia ontem, pela transferência de Adelio Bispo de Oliveira para um presídio federal. O homem de 40 anos, que esfaqueou o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), cumpre prisão preventiva desde a madrugada de ontem, quando foi conduzido ao Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp).

A audiência durou uma hora. Ainda não há definição sobre onde exatamente Adelio ficará preso. A escolha da penitenciária depende das vagas disponíveis. A própria defesa, representada por quatro advogados, concordou com a transferência para um presídio federal.

Familiares haviam demonstrado preocupação quanto à integridade física de Adelio. Um dos advogados dele, Zanone Manuel de Oliveira Júnior, admitiu a tendência de condenação. “Se a defesa vai trabalhar neste processo, ela vai trabalhar até com um pedido de condenação. Mas um pedido de condenação levando em consideração todas as circunstâncias atenuantes: a conduta da vítima, a confissão espontânea..”, disse.

Representante de Jair Bolsonaro no caso, o deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR) se mostrou favorável ao cumprimento da prisão preventiva em cela separada para evitar, nas palavras do próprio parlamentar, “queima de arquivo”.

Francischini demonstrou estranhamento com o fato de Adelio contar com quatro advogados particulares. “Chama-nos muita atenção — e aqui eu faço o registro de que é um direito do acusado ter advogados —, mas alguém, em situação de pobreza como a gente viu, ter quatro advogados e não ter a defensoria pública acompanhando… Só aí eu deixo para vocês que não há indícios de que não é um ‘lobo solitário’, sem estrutura financeira nenhuma”, disse.

Segundo Oliveira Júnior, o grupo aceitou defender Adelio “por questões de igreja e familiares”. “Fomos contatados por membros da igreja para que viéssemos aqui”, declarou, em referência às Testemunhas de Jeová.

Motivação política
Adelio vivia em Juiz de Fora havia cerca de 15 dias. Na pensão onde morava, foram apreendidos um notebook e dois celulares, além dos dois que ele carregava no momento em que esfaqueou Bolsonaro.

O agressor foi indiciado na Lei de Segurança Nacional, que prevê punições a crimes com motivação política. O Artigo 20 diz respeito a “atentado pessoal por inconformismo político”. O próprio investigado admitiu ter agido por motivações políticas e religiosas. A cena foi registrada em vídeos por apoiadores do presidenciável.

De acordo com o advogado, até mesmo a motivação política do atentado serviria como atenuante. “A própria motivação política, o próprio discurso de ódio da vítima. Ele (Bolsonaro) trazia, até como meta de campanha... Nosso constituinte (Adelio) é negro, se considera um negro, e aquela declaração de que um negro não serviria nem sequer para procriar atingiu de uma forma avassaladora a psique de nosso constituinte”, afirmou o advogado Oliveira Júnior, citando fala de Jair Bolsonaro em palestra na Hebraica do Rio, em 2017. A declaração foi motivo de pedido de processo por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Apoio
Cerca de 20 pessoas se reuniram do lado de fora do prédio em que a audiência foi realizada para apoiar Bolsonaro. 
A maioria era de homens, mas crianças também foram levadas ao movimento.

Outros suspeitos
No entendimento dos representantes de Bolsonaro, Adelio não agiu sozinho. A própria Polícia Federal admitiu a investigação de pelo menos outros dois suspeitos de envolvimento no caso. Representante da Subseção de Juiz de Fora da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Robson Feijão disse que as investigações iniciais apontam que uma mulher, de cerca de 25 anos, e um homem, não identificado, podem ter participado do ataque.

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Desavença em família

08/09/2018

 

 

Antes de ser preso em flagrante ao esfaquear Jair Bolsonaro (PSL), Adelio Bispo de Oliveira teve uma passagem pela polícia. Em 20 de abril de 2013, o agressor — que, segundo sua família, é missionário de uma igreja evangélica (Evangelho Quandrangular) — teve o nome registrado em uma ocorrência da Polícia Militar de Montes Claros por lesão corporal. Ele teve uma desavença com o pedreiro Eraldo Fábio Rodrigues Oliveira, 47 anos. O fato ocorreu no Bairro Maracanã, onde moram os parentes de Adelio.


A reportagem teve acesso ao boletim de ocorrência, que não gerou maiores consequências, se resumindo a uma desavença familiar. Conforme consta no registro policial, os dois se desentenderam por causa do não pagamento da conta de luz de um barracão da família de Eraldo, companheiro de uma sobrinha de Adelio. Em entrevista ontem, Eraldo confirmou a briga e afirmou que Adelio adotou comportamento esquisito, permanecendo sozinho, trancado em um barracão. (JVM, colaborou Luiz Ribeiro).

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Em Juiz de Fora, desconfiança

08/09/2018

 

 

Juiz de Fora (MG) — Ao longo da Rua Halfeld, lojas fechadas contrapõem um cenário aparentemente festivo. A manhã de 7 de Setembro, dia seguinte ao ataque sofrido pelo presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), é um tanto atípica para os moradores de Juiz de Fora, na Zona da Mata de Minas. O motivo, entretanto, não eram as comemorações anuais do Dia da Independência do Brasil. O silêncio parecia ter tomado conta do calçadão, tradicional ponto de parada de candidatos em todas as eleições.


Menos de 24 horas antes, o cruzamento com a Rua Batista de Oliveira era palco do encontro entre Bolsonaro e Adelio Bispo de Oliveira, o homem de 40 anos que esfaqueou o candidato no abdômen, ferimento que o obrigou a se submeter a cirurgia.

Pessoas se juntaram na região novamente. Desta vez, não para apoiar o candidato, mas para os festejos pelo 196º aniversário da Independência. A menos de 300 metros de onde o presidenciável foi atacado, civis e militares desfilavam na Avenida Barão do Rio Branco. No entanto, os sons de quem animava a larga rua cujo nome homenageia o histórico diplomata brasileiro pouco alcançavam a Halfeld. No local em que Bolsonaro foi esfaqueado, o clima era de total desconfiança.

Relatos de quem acompanhou de perto o momento indicam que o presidenciável encontrou abrigo na Internacional Lanches, lanchonete localizada justamente na esquina da Halfeld com a Batista de Oliveira. Um pouco mais à frente, está o prédio para o qual Adelio foi carregado instantes após o ataque.

Nos dois estabelecimentos, o silêncio e a discrição. Esse comportamento foi padrão entre as pessoas ouvidas pela reportagem. Dos 18 entrevistados, 12 confirmaram que estavam no local no momento em que Bolsonaro foi esfaqueado. Ninguém quis se identificar ao responder perguntas.

“Se eu falo disso, a Polícia Federal cai em cima”, disse um homem, que deixou a conversa assim que foi abordado. “Não gosto das perguntas”, afirmou um ambulante, que, sem ser gravado, detalhou tudo o que ocorreu na tarde anterior. Poucos metros à frente, entusiastas da festa patriótica lembravam o grito de “Independência ou morte” — um brado que talvez fizesse mais sentido no dia anterior. (JVM)