Título: A história nas mãos
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/05/2012, Mundo, p. 24

Não há palavras para descrever o sentimento entre os egípcios hoje (ontem)." Assim o consultor de marketing e blogueiro egípcio Raafat Rohaiem definiu o dia inaugural das eleições presidenciais no seu país, as primeiras desde a queda do ditador Hosni Mubarak, há um ano e meio. A votação continua hoje e, caso nenhum dos 12 candidatos consiga mais de 50% de aprovação, ela seguirá para o segundo turno, em 16 e 17 de junho.

Segundo observadores internacionais, a participação dos eleitores foi alta, especialmente na capital, Cairo, e em Gizé, onde longas filas se formaram do lado de fora dos locais de votação. A Federação de Observação das Eleições no Egito registrou violações em 15 províncias e episódios de violência ao longo do dia, que deixaram pelo menos 10 civis feridos. Mas os incidentes não ofuscaram o dia histórico no país, que foi celebrado por seus cidadãos nas ruas e nas redes sociais.

Rohaiem afirmou ao Correio que ontem foi um dia muito especial para 50 milhões de egípcios que, por anos, não puderam participar de eleições durante o regime de Mubarak. "Hoje bem cedo uma senhora estava aguardando em frente a um posto de votação. Quando o chefe da sessão perguntou a ela por quanto tempo estava esperando para votar, a idosa respondeu: "Por 30 anos"", contou. "Essa senhora representa a todos nós. Esperamos durante 30 anos até que nosso voto pudesse contar."

Em entrevista às agências internacionais, o secretário-geral da Comissão Eleitoral, Hatem Begatu, declarou que a participação dos egípcios foi "enorme" e maior do que a esperada, apesar de não divulgar o número oficial. Todos os locais de votação, segundo ele, com exceção de três, foram abertos às 8h (3h em Brasília). Segundo o organismo, algumas irregularidades foram registradas e incluiram, principalmente, boca de urna. Também foram verificadas manifestações. Em uma sessão nos arredores do Cairo, no momento em que o candidato e ex-premiê de Mubarak Ahmed Shafi votava, familiares de ativistas mortos nos protestos do ano passado exibiram fotos das vítimas.

Nos dois dias de eleição, era esperada a participação de mais de 50 milhões de eleitores, em uma população de 80 milhões. Foram disponibilizadas mais de 13 mil sessões pelas 27 províncias do país. Segundo a agência France-Presse, 300 mil militares e membros das forças de segurança foram designados para garantir a ordem, e 49 ONGs e três grupos sem fins lucrativos estrangeiros têm permissão oficial para monitorar as eleições. A lista de candidatos é grande, mas cinco deles são considerados os mais fortes. Shafiq e o ex-chanceler Amr Mussa são os representantes da era Mubarak. Do lado islamita, concorrem Mohamed Morsi, nome da Irmandade Muçulmana, e o independente islâmico Abdul-Moneim Abdul-Fotuh. Há ainda o esquerdista de oposição Hamdeen Sabahy. Os resultados não devem sair antes do dia 29.

"Honestamente, não me preocupo com quem será o próximo presidente. O povo egípcio não tem mais medo. Tenho certeza de que, da mesma maneira que removemos Mubarak do poder, podemos fazer isso com qualquer um", ponderou Rohaiem. "Qualquer um que viu o que ocorreu na Praça Tahrir durante a revolução vai pensar mil vezes antes de tirar qualquer direito do povo egípcio."

A escolha do presidente sucede a renovação do parlamento, no qual os islamitas — Irmandade Muçulmana e salafistas — conquistaram a maioria. O Conselho Supremo das Forças Armadas (Scaf), que governa o país desde a queda de Mubarak, em 11 de fevereiro do ano passado, prometeu entregar o poder a uma administração civil até o fim de junho.

Pena capital para Ben Ali

O procurador do tribunal militar de Kef, na Tunísia, pediu ontem a condenação à morte do ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali, julgado à revelia por cumplicidade em homicídios voluntários durante a repressão aos protestos contra seu regime, em janeiro de 2011, mês em que renunciou. Trata-se da primeira vez que se pede a pena de morte para o ex-presidente, que já foi condenado pela Justiça Civil a mais de 66 anos de prisão. A Tunísia foi o primeiro país a ter um líder removido no contexto da Primavera Árabe.