Correio braziliense, n. 20195, 05/09/2018. Mundo, p. 12

 

Presidente em pane

05/09/2018

 

 

ESTADOS UNIDOS » Baseado em entrevistas com auxiliares próximos de Donald Trump, o premiado jornalista Bob Woodward descreve em livro um governo "à beira de um colapso nervoso", com um chefe visto pela equipe como despreparado e temperamental

Caiu como uma bomba nos Estados Unidos a divulgação de trechos do novo livro do premiado escritor e jornalista Bob Woodward, um dos responsáveis pela cobertura do escândalo Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em1974. Com lançamento previsto para a data marcante de 11 de setembro, Fear: Trump in the White House (Medo: Trump na Casa Branca, em tradução livre) descreve com detalhes episódios daquilo que o autor define como um governo “à beira de um colapso nervoso”. Baseado em centenas de horas de entrevistas confidenciais com dezenas de fontes do círculo íntimo do presidente Donald Trump, o livro de 448 páginas descreve um “golpe de Estado administrativo” por parte de uma equipe preocupada em controlar os danos causados por um governante visto como despreparado.

“O livro de Woodward já foi desacreditado pelo general Mattis e por Kelly”, reagiu o presidente, pelo Twitter, fazendo eco às declarações de duas peças-chave do seu governo, citadas em passagens críticas: o chefe de Gabinete, John Kelly, e o secretário de Defesa, James Mattis. “As frases atribuídas a eles se revelaram como fraudes montadas. Será que Woodeard é um agente dos democratas?”, questionou, ligando o autor ao partido de oposição.

O Washington Post revelou também o conteúdo da degravação de um telefonema feito por Trump a Woodward em 14 de agosto. A conversa, que durou 11 minutos, foi registrada pelo jornalista com o consentimento do presidente. Durante a ligação, Trump se surpreende ao saber que seus assessores não lhe comunicaram que Woodward queria entrevistá-lo para o livro. Ao contrário do tuíte de ontem, na ocasião ele diz ao jornalista: “Você sabe que eu sempre fui aberto a conversar, acho que você é sempre justo”. E, ao fim de algumas tentativas para sugerir outros entrevistados, o presidente admite: “Bem, eu concluo, então, que será um livro negativo...”

Bastidores

Os primeiros trechos da publicação foram divulgados ontem pelo jornal Washington Post, onde Woodward trabalha desde o Watergate. Eles revelam “maquinações escondidas” entre os homens de confiança de Trump para “controlar os seus impulsos e evitar desastres, tanto para o presidente, pessoalmente, como para a nação que ele foi eleito para liderar”.

Os auxiliares chegaram a retirar documentos da mesa de Trump e de sua secretária — e a escondê-los, para que não pudesse assiná-los. O livro detalha a maneira como os assessores se surpreendem, desde os primeiros dias, com a falta de curiosidade e de conhecimento exibida pelo presidente sobre temas internacionais, além de sua visão rasa acerca de assuntos militares.

Conforme o livro, o chefe de Gabinete da Casa Branca, John Kelly, frequentemente perdeu a cabeça e se referiu a Trump como “tresloucado” ou mesmo “idiota”. Em determinada ocasião, desabafou:  “É inútil tentar convencê-lo de qualquer coisa”. Kelly teria comparado a Casa Branda de Trump a uma “crazytown” (“cidade dos loucos”), e admitido que ocupa “o pior emprego” de sua vida. Em resposta, o chefe de Gabinete sustentou que as declarações atribuídas a ele eram parte de um esforço para “intrigá-lo” com o presidente.

“Mentiroso”

A respeito de Mattis, o chefe do Pentágono, o livro revela também que ele descreve Trump como alguém com entendimento sobre questões internacionais comparável ao de “um aluno de quinto ou sexto ano”. O ex-advogado pessoal do presidente John Dowd descreve Trump como “um mentiroso profissional”. Segundo Woodward, Dowd teria dito ao cliente que ele acabaria “de macacão laranja” — o uniforme da prisão — se testemunhasse ao procurador especial Robert Mueller, que investiga a interferência da Rússia na campanha eleitoral de 2016.

Sobre essa investigação, o livro conta que ela provoca raiva e paranoia no presidente, a ponto de  paralisar a Ala Oeste da Casa Branca, onde fica o seu gabinete, e inspirar adjetivos desqualificantes contra o secretário de Justiça, Jeff Sessions, chefe de Mueller. Trump teria chamado Sessions de “retardado mental”.

Trump é descrito pelos mais próximos como um presidente instável e pronto a desmoralizar a equipe diariamente. Reince Priebus, o primeiro chefe de Gabinete, referia-se ao quarto do chefe de Estado como “o escritório do diabo”, em referência à torrente de tuítes destemperados disparados de lá.

 

Frase

“O livro já foi desacreditado pelo general Mattis e por Kelly. Será que Woodeard é um agente dos democratas?”

Donald Trump, presidente dos EUA

 

Por dentro da Casa Branca

Leia algumas das frases mais bombásticas do presidente Trump e de seus auxiliares mais próximos, conforme citadas por Bob Woodward no livro

 

Esse cara é um retardado mental. É um desses sulistas imbecis. Não dava para ser nem advogado de um cliente só no interior do Alabama.

(Trump, referindo-se ao secretário de Justiça, Jeff Sessions, em conversa com o secretário de Gabinete, Rob Porter)

 

Vamos matá-lo, p...! Vamos matar um monte deles!

(Trump, discutindo com assessores a resposta a um ataque químico lançado na Síria em abril de 2017 e atribuído ao regime de Bashar al-Assad. O secretário de Defesa, James Mattis, teria prometido responder imediatamente, mas, em vez disso, deixou que a ideia de assassinar Assad fosse esquecida)

 

Eu posso impedir isso. Vou apenas tirar aquele papel da mesa dele.

(Gary Cohn, assessor econômico chefe da Casa Branca, contando como ele e outros auxiliares evitaram que Trump assinasse documentos contendo medidas que eles consideravam perigosas para o país)

Estamos em Crazytown. Eu nem sei por que algum de nós está aqui. Esse é o pior emprego que eu já tive.

 

É inútil tentar convencê-lo (Trump) de qualquer coisa.

(John Kelly, chefe de Gabinete do presidente)

 

Ele (Trump) tem a compreensão de política externa de um aluno de quinto ou sexto ano.

(James Mattis, secretário de Defesa)

 

Isso não é mais uma Presidência. Não é mais a Casa Branca. Isso é um homem sendo quem ele é.

(Rob Porter, secretário de Gabinete, referindo-se a Trump)

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Confirmação de juiz tumultua o Senado

05/09/2018

 

 

Manobras de obstrução da minoria democrata, de oposição, e protestos de manifestantes — feministas, na maior parte —, com dezenas de detenções, marcaram ontem o primeiro dia de audiências na Comissão de Justiça do Senado dos EUA para a confirmação do juiz federal Brett Kavanaugh na vaga aberta na Suprema Corte pela aposentadoria do magistrado Anthony Kennedy. A tumultuada sessão deu o tom de mais uma disputa em que o Congresso espelha as profundas divisões da sociedade americana em temas políticos e morais, como aborto e pena de morte, embora a troca de críticas e ofensas não ameace o indicado pelo presidente Donald Trump. Kavanaugh é considerado um conservador de posições firmes, cuja presença no plenário fará pender a balança contra os liberais por um longo período.

“É a primeira vez que assisto a uma audiência de confirmação para a Suprema Corte conduzida sob o império da turba”, protestou o republicano (governista) John Cornyn, enquanto as manifestantes gritavam nos assentos reservados ao público e o democrata Richard Blumenthal reclamava o adiamento da sessão. A oposição alega que seus integrantes não tiveram tempo para examinar cerca de 42 mil páginas de documentos relativos à passagem de Kavanaugh pela Casa Branca, no governo do republicano George W. Bush (2001-2009). Como assessor jurídico, ele redigiu centenas de sentenças e controlou a entrada e saída de documentação do Salão Oval, onde fica o gabinete do presidente.

Por quase uma hora, os opositores interromperam a colocação inicial do presidente da comissão, o republicano Chuck Grassley, em protesto contra a liberação tardia de documentos, na noite anterior. A Casa Branca reteve registros invocando “privilégio constitucional”. “Este é o exame menos transparente que eu já presenciei para um indicado à Suprema Corte”, disparou o senador Patrick Leahy. Pelo Twitter, o líder da bancada democrata, Chuck Schumer, classificou o processo como “absurdo”. “Nenhum de nós pôde revisar esses arquivos antes da manhã de hoje.”

Enquanto os legisladores se enfrentavam ao microfone, manifestantes gritavam que, uma vez confirmado na instância máxima do Judiciário, Kavanaugh garantirá maioria para que o presidente Donald Trump possa se autoperdoar em questões como a da interferência da Rússia na eleição vencida por ele em 2016. Feministas denunciaram uma manobra para revogar a lei federal que permite aos estados legalizar o aborto. Algumas foram vestidas inspiradas na série americana The Handmaid’s Tale, que conta a história de uma sociedade totalitária onde mulheres são fortemente subjugadas e, por lei, não têm permissão para realizar atividades diversas, como ler e trabalhar. Ao todo, a polícia do Congresso deteve 70 pessoas, nove delas acusadas formalmente de perturbação dos trabalhos legislativos.

Kavanugh, 53 anos, chegou a fazer colocações iniciais, nas quais se comprometeu com a imparcialidade e a observação estrita do texto constitucional. “A Suprema Corte não pode ser vista como uma instituição partidarizada”, afirmou. “Os juízes não se sentam em bancadas opostas.” As audiências devem se estender por quatro dias, e a expectativa é de que os 51 senadores republicanos garantam a confirmação.

Frase

“É a primeira vez que assisto a uma audiência de confirmação para a Suprema Corte conduzida sob o império da turba”

John Coenyn, senador republicano