Correio braziliense, n. 20195, 05/09/2018. Mundo, p. 13
Acordo busca facilitar êxodo
Rodrigo Craveiro
05/09/2018
VENEZUELA » Onze países latino-americanos firmam declaração, em Quito, na qual prometem aceitar documentos expirados de imigrantes e instam o regime de Maduro a receber ajuda humanitária. OEA se reúne, hoje, para debater a crise de proporções históricas
A reunião de caráter técnico entre delegados de 13 países latino-americanos — Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai — terminou, ontem, em Quito, com a promessa dos governos de aceitarem documentos vencidos de venezuelanos em fuga e com uma condenação à xenofobia. A Declaração de Quito sobre Mobilidade Humana de Cidadãos Venezuelanos na Região reitera “preocupação pela grave deterioração da situação interna que provoca a migração massiva de venezuelanos (…) e faz um chamado (a Caracas) à abertura de um mecanismo de assistência humanitária que permita descomprimir a crítica situação, oferecendo atenção imediata aos cidadãos afetados”.
O regime do presidente Nicolás Maduro insiste em negar a existência do êxodo histórico, denuncia uma “produção de Hollywood” e acusa a ONU de promover uma “intervenção estrangeira”. O documento também apresenta 18 pontos (veja o quadro) que têm o objetivo de “articular uma coordenação regional com respeito à crise migratória”. Enquanto o representante boliviano se recusou a assinar o texto, o dominicano prometeu fazê-lo “mais tarde”.
O sexto item da declaração insta as nações, de acordo com a legislação nacional de cada país, a acolherem os documentos de viagem vencidos como documentos de identidade dos cidadãos venezuelanos para fins migratórios. Ao mesmo tempo, exorta a Venezuela a tomar, “de maneira urgente e prioritária, as medidas necessárias para a entrega oportuna de documentos de identidade e de viagem de seus nacionais” — cédulas de identidade, passaportes, certidões de nascimento e de casamento, atestados de antecedentes criminais, entre outros. “Acho que enviamos uma mensagem importante aos milhões de venezuelanos que estão atravessando nosso continente (…). Dissemos a eles que vamos reconhecer os documentos expirados para fins migratórios”, declarou o representante do Chile, Raúl Sanhueza, à agência de notícias France-Presse. Hoje, o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) realiza uma sessão extraordinária, em Washington, para debater o fenômeno.
O sociólogo Tomás Páez Bravo, professor da Universidad Central de Venezuela (UCV) e coordenador do projeto “A voz da diáspora venezuelana”, disse ao Correio esperar que a América Latina abra as portas para os seus compatriotas e sublinhou que os imigrantes podem contribuir com o desenvolvimento de nações receptoras. “A cooperação internacional é fundamental. O passaporte é um documento excessivamente caro na Venezuela. Algumas pessoas desembolsam até US$ 3 mil para obtê-lo”, explicou, por telefone. “Na condição de reunião técnica, destacou a necessidade de exercer pressão sobre Caracas para a liberação dos documentos. Além disso, não basta um chamado contra a xenofobia, mas medidas que permitam às nações estenderem seus braços aos venezuelanos”, acrescentou.
Socialismo
Bravo defende a pressão por mudanças no modelo do socialismo do século 21 — uma referência à revolução bolivariana encampada pelo falecido presidente Hugo Chávez. “A crise migratória será resolvida apoiando-se uma mudança e exercendo pressão sobre a Venezuela.” O estudioso entende que, apesar de “boa”, a declaração de Quito deveria ter sido mais contundente. “Não houve menção às dividas roubadas na Venezuela, com a corrupção na PDVSA e as denúncias envolvendo a Odebrecht. Dinheiro lavado em nações da América Latina”, lamentou.
Antonio Ledezma — prefeito de Caracas que fugiu da prisão domiciliar e se exilou em Madri — admitiu ao Correio que a declaração final tem sua importância por transparecer a preocupação oficial dos governos da região com a crise venezuelana. “O fato de a agenda ter sido a crise migratória revela que os governos latino-americanos têm consciência da tragédia vivida por nosso país”, disse. O preso político foragido denunciou que o regime de Maduro não entrega documentos aos seus cidadãos. “É preciso levar em conta que a situação da Venezuela é excepcional e que os venezuelanos não migram para fazer turismo. Se não possuem um passaporte vigente, não é por negligência, mas porque nenhum escritório público da Venezuela atende aos pedidos dos venezuelanos.”
Os principais pontos da declaração
» Destacar os esforços empreendidos pelos governo da região para acolher adequadamente os cidadãos venezuelanos em situação de mobilidade humana;
» Continuar trabalhando, de maneira individual, e cooperar, segundo cada país estime ser adequado e oportuno, com a provisão da assistência humanitária; acessar mecanismos de permanência regular, incluindo a consideração de processos de regularização migratória; combater o tráfico de pessoas e o tráfico ilícito de migrantes; lutar contra a violência sexual e de gênero; proteção infantil; recharçar a discriminação e a xenofobia; acessar os procedimentos para a determinação da condição de refugiado;
» Exortar o governo da República Bolivariana da Venezuela para que tome, de maneira urgente e prioritária, as medidas necessárias para a provisão oportuna de documentos de identidade e de viagem de seus nacionais, como cédulas de identidade, passaportes, certidões de nascimento e de casamento, e certificados de antecedentes criminais;
» De acordo com a legislação nacional de cada país, acolher os documentos de viagem vencidos como documentos de identidade dos cidadãos venezuelanos para fins migratórios;
» Estabelecer um programa regional, com o apoio do Sistema das Nações Unidas, particularmente a Organização Internacional para Migrações (OIM), para o intercâmbio oportuno, por meio das instâncias nacionais competentes, de informação pertinente de migrantes venezuelanos, tendente a prestar a ajuda humanitária e obter uma migração ordenada e segura;
» Ratificar o compromisso dos Estados da região de conformidade com a disponibilidade de recursos públicos, a realidade econômica, a normativa interna e as possibilidade de cada país de acolhida, para proporcionar aos cidadãos venezuelanos em situação de mobilidade humana o acesso aos serviços de saúde e educação públicas e às oportunidades no mercado laboral.
» Ratificar os compromissos dos Estados da região a respeito da luta coordenada contra a discriminação, a intolerância e a xenofobia, e implementar, na medida do possível para cada país, iniciativas e esforços estatais, individuais e/ou conjuntos.
Eu acho...
“A diáspora não é um problema, mas parte da solução. Diásporas sempre contribuem para o enriquecimento dos países que as acolhem. A maioria das nações reunidas em Quito tem muita experiência como países de emigrantes. O México registrou 12 milhões de cidadãos que abandonaram seu território; a Colômbia, 6 milhões; o Equador conta com 700 mil nacionais somente na Espanha. Os países participantes do encontro finalizado hoje (ontem) sabem o que significa a recepção de seus cidadãos por parte de outros Estados. Pela primeira vez em 200 anos, a Venezula exporta cidadãos. As diásporas sempre diminuem a pobreza global. A América Latina necessita de uma Venezuela próspera, que crie condições econômicas.”
Tomás Páez Bravo, sociólogo da Universidad Central de Venezuela e coordenador do projeto “A voz da diáspora venezuelana”
“A saída para a crise migratória exige a destituição ou renúncia de Nicolás Maduro. Enquanto ele permanecer usurpando o poder, as causas da fuga das pessoas não serão resolvidos, como a fome, além de problemas de saúde e de segurança. Nós esperamos uma política de compreensão humanitária por parte de governos da América Latina, sobretudo por onde fluem os venezuelanos pelas fronteiras com o Brasil e a Colômbia para que chegem ao Equador, ao Peru e ao Chile. A solução é um tratamento humanitário, com a formação de um cordão sanitário para freiar os surtos de xenofobia.”
Antonio Ledezema, prefeito de Caracas que fugiu da Venezuela e se exilou em Madri depois de ser preso pelo regime de Maduro