Título: Quadrilha frequentava o gabinete de Demóstenes
Autor: Gama, Júnia
Fonte: Correio Braziliense, 24/05/2012, Política, p. 4

Gravações pedidas pelo Conselho de Ética do Senado com imagens de pessoas que frequentaram o gabinete do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) entre fevereiro de 2003 e março de 2012 mostram que o sargento aposentado da Aeronáutica e ex-agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, esteve ao menos oito vezes no gabinete do parlamentar nos últimos anos. Os vídeos revelam ainda que Gleyb Ferreira da Cruz, homem de confiança e espécie de ajudante de ordens do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, esteve duas vezes no local, no ano passado.

Uma interceptação telefônica feita pela Polícia Federal em meados de 2011 mostra uma conversa entre Gleyb e Demóstenes na qual, segundo os investigadores, os dois estariam combinando a entrega de um pacote com R$ 20 mil ao senador, a pedido de Cachoeira. “Tô com um negocinho para entregar. Queria ver com o senhor onde é que a gente pode, onde quer que eu leve”, diz o ajudante do bicheiro. “É na SQS 309, Bloco G. Vem lá pelas três horas”, orienta Demóstenes. O endereço fornecido é o da própria residência do parlamentar em Brasília.

As gravações obtidas pelo Conselho de Ética mostram que Gleyb Ferreira da Cruz esteve no gabinete de Demóstenes em 9 de junho e 20 de setembro de 2011, datas próximas ao período em que a Polícia Federal registrou a ligação entre o senador e o ajudante de Cachoeira para a entrega do pacote contendo R$ 20 mil. No pedido de abertura de inquérito contra o parlamentar, apresentado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em março deste ano, o chefe do Ministério Público aponta que o valor repassado para o senador pela quadrilha de Cachoeira chega a R$ 3,1 milhões.

Gleyb e Dadá foram presos pela Polícia Federal em fevereiro, quando foi deflagrada a Operação Monte Carlo. Dadá é apontado pela PF como o responsável pelo esquema de escutas ilegais implantadas pelo bicheiro para obter informações sigilosas. Ele teria providenciado serviços de interceptação de e-mails e os telefones antigrampo que Cachoeira usava para não ser interceptado pela Polícia Federal. Gleyb seria o ajudante de confiança do contraventor para executar ordens, como a entrega de dinheiro aos envolvidos com a organização criminosa. Os dois vão depor hoje na CPI e devem ser questionados sobre as visitas ao gabinete do parlamentar goiano.

Solitário

O senador Demóstenes Torres fez ontem uma rápida aparição no Senado, no início da tarde. Ele entrou pelo cafezinho da Casa e sentou-se no plenário, afastado dos colegas, que evitaram se aproximar. O depoimento do parlamentar no Conselho de Ética está marcado para a manhã da próxima terça-feira, e os advogados anunciaram que ele irá se pronunciar sobre as denúncias (leia ao lado). Com a recusa de Carlinhos Cachoeira e de Ruy Cruvinel em comparecerem como testemunhas de defesa do senador, o depoimento de Demóstenes será o único a seu favor.

R$ 20 mil Valor que Gleyb Ferreira da Cruz negociava entregar a Demóstenes Torres, segundo a PF

Depoimento no Conselho

JOÃO VALADARES

A defesa do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) assegurou, na tarde de ontem, que o parlamentar vai falar, na próxima terça-feira, no Conselho de Ética do Senado. De acordo com os advogados, a decisão de depor foi pessoal. Já na CPI mista do Cachoeira, com depoimento marcado para 31 de maio, não há nenhuma garantia. Assim como procedeu o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, é forte a hipótese de silêncio constitucional. O bicheiro deveria ser ouvido hoje, mas não compareceu.

Demóstenes solicitou à relatoria do Conselho de Ética a realização de perícias nas gravações telefônicas em que o parlamentar aparece falando com o bicheiro e outros integrantes da organização criminosa. A defesa sugere que houve edição dos diálogos. No entanto, Demóstenes não deve ser atendido pelo relator do Conselho de Ética, senador Humberto Costa (PT-PE)

"Tenho dito e reiterado que não estamos obrigados aos rigores da prova criminal, como ocorre no processo penal. O julgamento que se faz aqui é político. Não acredito que o Supremo Tribunal Federal vá anular as provas, conforme solicitou a defesa. Fiz um relatório sem abordar as provas e as gravações", afirmou Costa. O senador pernambucano assegurou que vai apresentar o relatório pedindo ou não a cassação do mandato de Demóstenes até o fim de junho. A expectativa, de acordo com ele, é de que o parecer seja votado no plenário até 17 de julho, um dia antes do recesso legislativo.