Correio braziliense, n. 20206, 16/09/2018. Política, p. 5

 

E assim aconteceu no Ceará

Murilo Fagundes

16/09/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Para conhecer um pouco mais do candidato pedetista à Presidência da República, Ciro Gomes, é importante rever como ele geriu o estado entre 1990 e 1994. Dificuldade maior do político nessa campanha é fazer os mais jovens o conhecerem

Considerado chefe de oligarquia por alguns e um dos mais bem preparados políticos por outros, Ciro Gomes (PDT) concorre, pela terceira vez, à vaga de presidente da República. Para conseguir subir a rampa do Palácio do Planalto, costuma reforçar, com a voz imponente, as conquistas que obteve como governador do Ceará entre 1990 e 1994. Ao mesmo tempo que se vangloria pela trajetória movimentada, esbarra na falta de confiança de uma parcela do eleitorado que não se lembra da atuação do político de duas décadas atrás ou que discorda dos arranjos feitos entre os familiares do pedetista no estado, que passou por um momento crítico.

O Ceará esteve no foco do país nos últimos meses devido às represálias de facções criminosas, que, só neste ano, atacaram centenas de veículos e diversos prédios. Porém, com altos investimentos em turismo e infraestrutura, o estado, atualmente governado pelo candidato do PT à reeleição, Camilo Santana, destaca-se pelos bons resultados na educação básica; e a cidade berço político da família de Ciro, Sobral (CE), lidera o ranking nacional quando avaliadas as séries iniciais.

Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2017, seis dos 10 municípios brasileiros com as melhores notas nas séries iniciais no ensino fundamental são cearenses. Mas, em relação ao 3º ano do ensino médio, a educação cearense não decolou e não conseguiu atingir a meta estabelecida, assim como na verificação de 2015 (Ver quadro).

Influência direta

Mesmo sem ocupar cargos oficiais por quase uma década, Ciro Gomes ainda exerce forte influência no contexto cearense, reduto da família Ferreira Gomes. Com pai e avô conhecidos na região, os irmãos do político nascido em Pindamonhangaba (SP) e crescido em Sobral, cidade do interior do estado, também migraram para a cena política. Além de Ciro, Ivo é o atual prefeito de Sobral, e Cid, que também foi governador do estado, é candidato ao Senado. E o atual governador, Camilo Santana, integra e apoia o grupo Ferreira Gomes.

A perpetuação do núcleo da família de Ciro na política divide opiniões, mas há a ideia pejorativa de uma “oligarquia” ou um “clã”. “Dois fatores propiciam essa visão: primeiro, os Ferreira Gomes não têm tradição partidária, não são identificados nem com uma ideologia nem com um partido e, muitas vezes, os interesses remontam à reprodução do poder em cargos. Segundo, a família tem um histórico de dificuldades quando precisa se submeter a outras lideranças”, explica Uribam Xavier, cientista político da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Uma ex-servidora do governo do Ceará, que preferiu não se identificar, critica a interferência dos Ferreira Gomes na política cearense. “Quando trabalhei em uma secretaria do governo Cid, as reuniões eram desconcertantes. A família (Ferreira Gomes) está infiltrada no estado e nos principais municípios, principalmente em Fortaleza e Sobral. Existe uma série de apadrinhamentos de pessoas no círculo de amizade da família”, diz.

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De perfil liberalizante

16/09/2018

 

 

O ano é 1990. À época tucano, Ciro Gomes assume o governo do Ceará apoiado pelo ex-governador Tasso Jereissati, recém-chegado ao PSDB. Nas eleições de 1989, em confronto com Paulo Lustosa, do PFL, Ciro leva as eleições no primeiro turno, com 54,32% dos votos, movido pelo “Governo das Mudanças” iniciado na Era Tasso. “Eles (Tasso e Ciro) estruturaram um modelo de governo que até hoje ninguém mexeu: o processo de modernização e industrialização do Ceará com crítica forte ao uso da máquina pública”, conta Uribam Xavier, da UFC.

De acordo com levantamento realizado pelo Datafolha em 1994, ano em que deixou o governo do Ceará, Ciro Gomes recebeu o mais alto índice de aprovação entre governadores de 12 estados pesquisados pelo instituto. A pesquisa apontou que Ciro atingia 74% de aprovação. O currículo do ex-governador, porém, não é lembrado pela maioria dos jovens cearenses. E esse é um dos desafios do presidenciável em contexto nacional. O estudante Luiz Gustavo Cosme, 20 anos, eleitor da pequena cidade de Pacoti, no Ceará, por exemplo, não sabe elencar detalhes da gestão de Ciro. “Tanto Ciro como o irmão (Cid) são bem-vistos, e eu escuto dizer que o governo dele foi bom, mas não sei muito bem quais foram as obras dele no estado”, diz o estudante.

Com foco na maximização de receitas e na minimização de despesas, o atual mentor econômico da campanha pedetista e também ex-secretário de Planejamento do então governador Ciro Gomes, Mauro Benevides Filho, afirmou, em evento em Brasília, que o estado foi “um dos três que diminuíram a extrema pobreza em 2017”. Para o economista Fernando José Pires de Sousa, coordenador do Observatório de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), o governo de Gomes, em continuação à gestão de Tasso, seguiu uma linha liberalizante na década de 90. “Ciro deu uma conotação urbana-industrial ao projeto econômico. Ele continuou na linha privatista, de racionalização de gastos, de equilíbrio fiscal, modernização, mas tudo isso em detrimento das políticas sociais”, elenca.

O cientista político Uribam Xavier também aponta que Ciro deixou a desejar no campo social, já que deixou de lado a participação dos movimentos. “A gestão Ciro Gomes foi muito bem- avaliada. A grande crítica é de que ele não tinha abertura à participação da sociedade e dos movimentos sociais. Ele tinha um confronto direto, aparecia como um cara que resolve, um salvador”, pontua. (MF)